Hoje o Piauinauta tá se rasgando. Sob uma tempestade cósmica, a nave mãe fez vazamentos na fuselagem e o estrago foi grande. Dois, dos mais prestigiados e competentes tripulantes ficaram em posição de desafio. O mais estranho é que o que defende a cizânia é habitante do norte, que na maioria não aceita a divisão. Geraldo Borges, o Piauinauta da primeira tripulação, defende entrar numa nave pequena e abandonar a nave mãe à tempestade cósmica. Cinéas, provinciano do sul, que foi o povo que propôs a divisão, defende a unidade e não aceita a secessão da Nação Piauí.
Vejam que os tripulantes têm alta patente. E eu tenho que manter a calma.
Só acho que nessa briga fratricida o Piauí pode acabar e a parte de cima aí da ilustração do Netto de Deus pode ser chamada de Jenipapo, capital Campo Maior, ficando o Principado da Teresina uma cidade estado, incrustada no mapa, como uma Mônaco na França. Soberana. Cujo príncipe seria disputado numa eleição entre Paulo José Cunha e Climério Ferreira, piauienses da Capital Federal. E Joca Oeiras, que defende com unhas e dentes a unificação, mas é um piauiense que nasceu em São Paulo, seria o Príncipe Soberano do micro Estado de Oeiras, porque a terra do Mocha já foi a antiga capital.
Se deixar a gente brigar temos delírios! Deve ser a falta de gravidade ou o sol quente. Vamos se unir, ô gente boa! Nem que seja pra dividir, Ô xente!
(Edmar)
__________________________________________________________________________________O Biscoito Repartido
Geraldo Borges
O Estado é uma peça de ficção, mas funciona, mal, mas funciona. Repartir o Estado do Piauí em dois é uma idéia antiga, um sonho dos oligarcas da região sul. É uma idéia promissora. Já fui contra, hoje sou a favor. Por que não mudar? Eu achava que a burguesia queria dividir para melhor dominar. Bobagem. Ela domina por que é dona do Estado e tem os meios de produção nas mãos. Dividir estados tem dado certo. Por exemplo: o Estado de Tocantins, que foi desmembrado de Goiás, e deixou de ser Centro Oeste para virar um estado da região Norte, pura ficção geográfica, sua capital, Palmas está dando oportunidade de emprego a muita gente. O Estado de Mato Grosso do sul, também é um exemplo, capital Campo Grande, desmembrado de Mato Grosso. Esses dois Estados são fruto do pioneirismo, novos colonos se deslocam para novas fronteiras agrícolas. Uma nova colonização que precisa de sede própria com o poder burocrático mais perto, para funcionar melhor.
A capital da republica foi transferida do Rio de Janeiro para o Estado de Goiás, onde hoje é o distrito federal, isso há mais de cinqüenta anos. Foi um alento para a população brasileira, uma corrida para o povoamento. Mesmo assim, até hoje, existem pessoas que resmungam contra a transferência da velha capital para o planalto goiano.
Caso o Piauí seja dividido em dois, pelo menos um talvez o mais novo, fique livre das chacotas. É o que vamos saber, se o projeto vingar.
O Pará vai criar mais dois estados: Carajás e Tapajós; uma nova geografia vai ser desenhada no mapa, a espaçosa região norte ficará mais recortada, novos hinos vão ser cantados na escola, novas bandeiras tremularão nas fachadas das repartições públicas, brasões serão desenhados, nascerá no coração do povo uma nova veia pulsando pelo seu torrão e se confraternizarão com os que vierem de fora para oferecer o seu trabalho. O Amazonas também vai ser dividido, com certeza, poderá ser mais vigiado. A Bahia tem também projeto para ser divida, é o Brasil virando mais biscoitos para alimentar a fome dos brasileiros. E Minas Gerais, também, de modo que, o mapa do Brasil vai ficar cada vez mais bordado parecendo com o dos Estados Unidos, quase todos do mesmo tamanho, pequenos tabletes encaixados um no outro.
Dinheiro para manter a burocracia não vai faltar O povo arranja jogando na loteria, pagando impostos, desde que os velhos políticos noviços não os desviem. Parece que estou vendo um grande movimento migratório das grandes cidades do sul para os novos Estados, esse movimento já começou há muito tempo. Tem muita gente que não agüenta mais viver nas grandes metrópoles, acuados no asfalto, nos arranha-céus e nos morros
E quanto aos nomes das novas capitais de cada estado, como será o critério de escolha? Sem dúvida pesarão mais aqueles municípios que tiverem maior expressão econômica, e estiveram mais estrategicamente situados. No sul do Piauí temos a cidade de Parnaguá, que brilha pela sua civilidade, seu índice de analfabetismo é quase zero e pode muito bem ser eleita a nova capital do novo estado. Além do mais, seu clima é temperado. E tem uma lagoa com suas lendas. Uma grande lagoa para onde a Marinha pode mandar alguns marujos de água doce e uma corveta. A Marinha não está no lago Paranoá? Mas vai haver rusgas, ciúme, na escolha da nova capital. Briga pelo biscoito. Quanto ao nome do novo estado não há duvida. Será Estado do Gurguéia, um antigo barão dos latifúndios e da fidalguia piauiense. Ele vai adorar. Também podemos eleger Oeiras como sede do novo estado, só assim, a antiga capital do Piauí, de tão famosa lembrança, renascerá de suas ruínas como uma fênix que se alvoroça.
Ia me esquecendo que o Maranhão é outro que está no pleito para ser dividido. É um estado geograficamente enorme. Cabem dois. Parece–me que a cidade de Imperatriz é candidata a capital do novo Estado. E assim Sarney terá mais um condado para se eleger senador.
Se todos estes projetos não forem arquivados de novo, como já aconteceu uma vez, o Brasil vai ter uma mudança importante na sua ficção geográfica, na demarcação de seu mapa, um novo desenho, novos gentílicos. Novos trabalhos para o IBGE. Por enquanto, fiquemos nas discussões, nos dilemas, é para isso que serve o discurso democrático.
O Piauí foi colonizado a partir de suas fronteiras do sul, da Bahia e de Pernambuco, tendo como ciclo econômico principal a criação de gado, mesmo assim não preencheu o vazio, como se pode ver no mapa. Já a bacia do Parnaíba tem uma densidade demográfica significativa, e que começou a crescer a partir do momento em que a capital do Piauí foi transferida para a margem do Parnaíba. A viabilidade de um novo estado, na repartição do Piauí, daria oportunidade para uma região que é ignorada pelo poder publico, ficando muitas vezes sobre a influência de estados vizinhos mais desenvolvidos. As pessoas, que nascem e moram na fronteira da Bahia, possuem outro sotaque, vivem outra realidade. E preferem se batizar no Estado da Bahia. De modo que aquelas querências têm outros donos. Possuem outra cultura. Claro que tudo é Brasil, e nossas fronteiras são apenas ficção
O Estado do Gurguéia pode até não sair com a mesma facilidade com que o Estado do Piauí cria municípios para os caciques políticos, mas é uma promessa, está sendo discutido. Que venha o plebiscito.
Além do mais eu pergunto ao digno leitor ou indignado leitor. Se o Piauí se metamorfosear em dois Estados não seria uma grande vantagem? Pior seria se desaparecesse completamente engolido pelas fronteiras do Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia. Idéia estapafúrdia. Sou contra. Que o Piauí vire dois. Pois como diz o povo quem tem apenas um é como se não tivesse nada.
Sou contra
Cineas Santos
Longe de quase tudo, o lugar era um convite a não ficar. Meu pai entendeu que estava conforme: tinha o tamanho das suas aspirações. Decidiu, por sua conta e risco, plantar-se ali para sempre. Fez roças, filhos, alguns planos. A gleba era pequena, a água escassa, mas as aspirações eram rasas e o que se produzia era suficiente para a sobrevivência. O nome do lugar não poderia ser mais infeliz: Lagoa dos Tubis. Na verdade, nem havia lagoa; era apenas um baixio onde, no período das chuvas, juntava alguma água. Não bastasse isso, a palavra tubi servia para nomear uma abelha de mel travoso e, também, para designar ânus. Minha mãe, que acreditava no poder transformador da palavra, rebatizou a gleba com o nome poético de Campo Formoso. Foi além: empenhou-se, de corpo e alma, em transformar aquele estaleiro de carências em lugar habitável. E assim se fez. Foi naquele chão penitente que, em setembro de 1948, nasci. Quando tomei entendimento das coisas, fiquei sabendo que Campo Formoso estava fincado no sertão do Caracol.
Um dia, sem que ninguém fosse consultado, alguns caciques decidiram fatiar o território de Caracol. Foi assim que dormi caracolense e acordei juremense (juremeiro soa melhor). Senti-me logrado. A partir de então, sempre que se fala em divisão de municípios, tenho a compulsão de combater a iniciativa. Um parlamentar piauiense jacta-se do fato de já ter “criado mais de 30 municípios”, o que lhe garante currais eleitorais em todo o estado.
Quando se esgotaram as possibilidades de criação de novos municípios, alguns políticos decidiram propor a divisão do Piauí, um projeto capaz de agasalhar parentes, aderentes e correligionários. Incontinenti, escreveram livros de história, criaram bandeira, hino, constituição e engendraram teses mirabolantes. A mais cintilante delas afirma: “Não se trata de divisão e sim de desmembramento, o que será bom para os dois estados: Piauí e Gurgueia”. Argumentam que, por muitos anos, o sul permaneceu no mais absoluto isolamento, que falta representação política da região no parlamento e coisa e tal. Por oportuno, vale lembrar que, em determinado momento, só o município de São Raimundo Nonato teve cinco deputados na Assembleia Legislativa do Piauí. Como se pode ver, não foi por falta de caciques que o sul do Piauí continuou estagnado. O certo é que a coisa evoluiu até acordar os que combatem a tese divisionista. O mais é sabido e consabido. Por razões que ignoro, dada a minha desimportância, os dois lados tentam arrastar-me para o campo de batalha como se a minha participação fosse decisiva para a vitória de uma das facções. Já afirmei e reafirmo aqui: sou contra a divisão do Piauí por entender que “muitos serão chamados e poucos os escolhidos”, os mesmos que já se cevaram no poder ao longo da vida. Não esperem, contudo, que eu saia por aí, armado de bodoque, atirando pedras em “adversários”. Já passei de caracolense a juremeiro, o que nada me acrescentou. Nessa altura do campeonato, não me apraz ser “promovido” a gurgueíno. Termino com uma metáfora: se você tem pouca comida e resolve dividi-la em dois pratos, o máximo que vai conseguir é sujar mais louça. Nada além.
3 comentários:
A metáfora do Ancião foi mais rápida do que a votação eletrônica dos paraenses sobre a criação de mais feudos na Amazônia.
Pra nós, parnaibanos, não mudaria muita coisa. O governo estadual já nos ignora há muito tempo!
N sei
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