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Meu amigo Assaí, amigo de longa data, no momento em que escrevo essa crônica suponho já esteja aposentado. Digo isso porque em setembro de 2011, ocasião em que fui à Teresina rever os meus amigos, parentes, e lançar o meu livro de crônicas – Província Submersa – primeira edição, encontrei-me com ele na rua. Andava com um maço de papeis dentro de um envelope debaixo do braço. E, me disse, com a sua voz calma e pousada, de um homem que não tem nada a se queixar da vida, que estava providenciando a sua aposentadoria. E como eu estava andando em direção contraria, ele, de repente, deu meia volta e me acompanhou, e adiou, naquele momento, a entrada dos papéis para a sua aposentadoria.
Eu fiquei orgulhoso com a sua atenção. Estava indo fazer uma visita ao Nilo Filho em sua livraria em frente ao Banco do Brasil e ao lado do Clube dos Diários, pelo menos assim é conhecido pela nossa geração. O Nilo filho não estava na livraria. Resolvi pegar um ônibus de volta para casa onde eu estava hospedado, na Avenida Rio de Janeiro, bairro Aeroporto. Assaí, velho andarilho, que sempre caminhou com regularidade de casa para o trabalho me disse que ia para casa. Deixaria para amanhã a sua aposentadoria. Talvez tenha sido essas palavras que serviram de senha para abrir esta crônica sobre ele
Conheço o Assaí desde muito tempo. Dos longos invernos e verões da Teresina. O seu andar calmo, vigoroso, o olhar terno, a persistência, o cultivo das amizades, são algumas características da composição do personagem, afora muitas outras que se apresentarão no decorrer desta crônica. Desde cedo aprimorou os olhos para ver as coisas. É um exímio fotógrafo. Basta olhar as suas fotos para reconhecer o que eu estou dizendo. Quem priva de sua amizade sabe que ele é uma pessoa afável e paciente. Assaí relacionava-se muito bem com os artistas do sul maravilha, pois, de certa maneira, era uma espécie de cicerone. Levava-os aos recantos pitorescos da cidade, no fim da noite, para jantar, beber e conversar. Conduzia-se sempre de maneira elegante.
Assaí passou anos e anos iluminando atores, conhece os segredos do palco e também dos bastidores. Esta era a sua profissão: Iluminar. Não era um simples eletricista, apenas um operário, era um jovem que fazia parte da nata intelectual e contestadora da sociedade piauiense. Vem de uma família extremamente sensível, de irmãos que se dedicaram de corpo e alma ao teatro. Talvez, Assaí, nessas suas caminhadas para o centro da cidade tenha pensado melhor e desistido de se aposentar, por enquanto. Pelo que imagino talvez esteja com sessenta anos, sua geração está se aposentando. Mais o importante é continuar caminhando, olhando as coisas em redor, e tirando fotos. Podemos nos aposentar de uma profissão, mas jamais devemos nos aposentar de nossas brincadeiras.
O iluminador Assaí não foi apenas iluminador, foi também diretor do Theatro 4 de Setembro. Por aí se vê a trajetória de um artista dentro de seu foco de luz. Assaí é diferente. Para não dizer singular. É uma dessas pessoas que escolheu um caminho e caminhou sem tropeços ou encruzilhada, sem desvios. Sempre andou a pé, é um andarilho urbano. Cresceu presenciando a mudança da paisagem da cidade e contribuindo para o seu desenvolvimento cultural
Uma vez eu estava na casa do Galvão, em uma festa, no fundo do quintal, onde rolava muita cachaça e cerveja, e alguém, de cujo nome não preciso me lembrar, proclamou que eu e o Assaí estávamos a caminho de entrarmos para o folclore teresinense, como figuras pitorescas... Falava de modo irônico, como se esse conceito sobre nossas pessoas diminuísse a nossa personalidade. Assaí faz parte da cultura de seu Estado, de sua cidade. É um dos últimos moicanos que ainda mantém os cabelos compridos, agora prateados, e o olhar contemplativo de quem sabe que a aposentadoria verdadeira só virá quando realmente deixar de caminhar pelas ruas de sua cidade, integrando-se totalmente ao personagem da Província Submersa.
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