O Rio Continua Lindo
Ferrer Freitas
Estive na última semana de outubro de passagem pelo Rio de Janeiro, que continua lindo, como no samba de Gil, acompanhando a filhota Juliana e seu "husband", meu genro Nikolai. Ficamos em hotel de Copacabana situado no quarteirão entre as ruas Ronald de Carvalho e Duvivier, imediações da Praça do Lido. Na primeira artéria outrora existiu o "Bierklause", casa de chope de decoração alemã e pessoal de atendimento vestido a caráter. Para tristeza minha, hoje é uma churrascaria de nome "Carretão". Na outra, surpreendi-me de ainda ali estar, mesmo meio desativado, o famosíssimo "Beco das Garrafas", onde inventaram a Bossa Nova. Trata-se de antiga travessa para pedestres que dava na Rodolfo Dantas, acesso interrompido por muro alto. No térreo do prédio de nome “Cervantes” (o do lado contrário é o “Barão de Itapetininga”), com as famosas boates de portas cerradas, já há algum tempo, uma placa fala de sua importância e, na esquina, uma loja de nome Bossa Nova vende cd's e dvd's, a maioria de cantores e músicos do importante movimento musical, além de livros. O beco foi tombado como "Patrimônio Cultural Carioca” conforme diz placa colocada: “Beco das Garrafas (Bem Cultural Imaterial) - Circuito da Bossa Nova - Aqui artistas se apresentaram nos palcos das boates Little Club, Bottles e Baccara no final de 1950 e início de 1960.”
Por se tratar de viagem ao túnel do tempo, jamais poderia deixar de rever o bairro de Noel, Vila Isabel, onde residi de 1962 a 1964, e aproveitar para conhecer a estátua do músico e poeta sentado à mesa de bar sendo atendido por garçom com pano à mão como se estivesse a limpá-la, ainda exposta a letra do samba “Conversa de Botequim”, aquele que diz: “Se você ficar limpando a mesa /não me levanto, nem pago a despesa.” Desnecessário dizer que é tudo em bronze e de uma perfeição inigualável, inclusive o queixo do poeta com o afundamento da mandíbula, lado direito, causado por fórceps usado no seu nascimento. Destaque ainda para as calçadas em pedra portuguesa do Boulevard 28 de Setembro formando partituras de músicas famosas do cancioneiro popular, como, por exemplo, o samba canção “Chão de Estrelas”, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas.
Se fosse pôr aqui tudo que vi (ou li) talvez este relato de viagem se tornasse monótono. Mas, não posso deixar de registrar (pouca gente sabe!) como são inúmeras as igrejas do centro do Rio em área que permite o deslocamento a pé: Santa Luzia, São Jorge, N.S. do Carmo (Memorial ao lado), Santa Cruz dos Militares, São José, N.S. da Conceição e Boa Morte, Candelária, São Francisco da Penitência, N.S. da Lapa dos Mercadores,, N.S. Mãe dos Homens. Muitas em estilo barroco, com retábulos e púlpitos belíssimos. Tudo muito conservado.
É incrível, mas o Rio de Janeiro resiste a tudo: enchentes, bandidagem, explosões, deslizamentos etc., etc. Em Copacabana, como é sabido, a maioria dos moradores é constituída de idosos. Pois, nada impede que os velhinhos e as velhinhas desçam de seus apartamentos para andar pelo calçadão, muito à vontade. É comovente ver os casais conversando, andando lentamente para olhar a paisagem e o mar, muitos talvez lembrando o samba antológico “Copacabana” (“Existem praias tão lindas, cheias de luz./Nenhuma tem os encantos que tu possuis.”), de João de Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro, gravado em 1946 por Dick Farney com sua bela voz que lembrava a de Frank Sinatra, “the voice”. Por sinal Dick, cujo nome era Farnésio Dutra e Silva, se vivo estivesse completaria 90 anos no dia 24 de novembro.
Arrematando. Como nem tudo é só alegria, devo registrar que estava ainda no Rio quando faleceu, aos 87 anos, aquele que considerava o melhor comentarista de futebol do rádio carioca, o gaúcho Luiz Mendes, o “palavra fácil”, conhecido também por “tchê.” Era um figura extraordinária.
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(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras
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