domingo, 18 de dezembro de 2011

Maria Sapatão

Geraldo Borges

Não tive o contentamento de conhecer Maria Sapatão, o substantivo sapatão, aqui, não tem nada a ver com o significado de hoje em dia, era aumentativo de sapato, mesmo. Além ter os pés grandes, destacava-se por seu comportamento pitoresco. Usava sapatos surrados, presente, com certeza, de alguma madame.

            Aos poucos Maria Sapatão foi virando folclore teresinense. E como eu disse, no começo dessa crônica, não a conheci, de modo que ela tornou-se importante ainda para mim como uma personagem saída das páginas de um romance de província, reinventada pela memória e imaginação do povo, a qual eu também posso acrescentar o meu toque de fantasia.

            Minha irmã conheceu Maria Sapatão, e disse-me que, uma vez, o seu professor de português, no Liceu Piauiense, mandou que ela fizesse uma redação sobre a conhecida personagem, uma espécie de perfil. Minha irmã deve ter saído pelas ruas para conhecer os lugares mais freqüentados por Maria Sapatão, para dar mais autenticidade ao seu texto.

 Isso foi, mais ou menos, pelos idos de mil novecentos e quarenta, depois da Segunda Guerra Mundial. Minha irmã saiu–se muito bem em seu trabalho, devido a sua veia poética, principalmente. Hoje essas simples impressões literárias de uma colegial poderiam estar arquivadas em algum possível Arquivo folclórico do Piauí. Mas, nem sempre, as autoridades competentes sabem avaliar a dimensão social e histórica do que têm nas mãos.

            Existe um pequeno mote a respeito de Maria Sapatão que eu ouvia os mais velhos cantar.

"- Caju tá maduro, tá bom de colher,

     Maria Sapatão tá boa de morrer.”.

Não sei como Maria reagia a isto. O povo sempre gosta de fazer troça com pessoas que não seguem a sua régua, que não andam no seu compasso. Maria Sapatão andava com seus sapatões deixando marcas bem visíveis nas ruas da cidade. Havia também outra história  em que  Maria Sapatão era a personagem principal. Uma turma do Liceu fez o casamento dela com um estudante, de brincadeira. Ela parece que ficou acreditando. E não deixava o colegial em paz. Tudo é história que me contaram. E se estou exagerando na crônica fica por conta do meu estilo.

São poucas as informações que tenho sobre Maria Sapatão. Era uma baiana, com certeza, repleta de penduricalhos, com o rosto pintado. Como chegou à Teresina, não se sabe. Andava requebrando as cadeiras, e os moleques corriam atrás dela fazendo festas, cantando os versos que torno a repetir.

” - Caju tá maduro, tá  bom de colher,

 Maria Sapatão  tá boa de morrer”

 Com certeza, se eu tivesse conhecido Maria Sapatão no seu tempo de fama, eu também teria feito parte da molecada.

Não sei se alguém possui o retrato de Maria Sapatão, a foto, para ser mais claro. Talvez o José Elias, zeloso pesquisador da cultura piauiense, a possua, nos seus guardados. Ou quem sabe o saudoso Josias Clarence que também era um ilustre pesquisador do folclore piauiense, possuísse.

Maria Sapatão talvez tenha sido um dos primeiros moradores de rua da cidade de Teresina, afora  gatos e cachorros abandonados. Parecia uma paisagem ambulante enfeitando as praças e ruas com sua saia rodada e estampada descendo até os calcanhares expondo escandalosamente os seus pés grandes. Imagino como ela se comportaria hoje, sabendo que o seu apelido poderia ter uma dupla interpretação.

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