domingo, 4 de dezembro de 2011

iniciantes


Luiz Horácio

O cotidiano e sua precariedade formam a base dos contos de Raymond Carver. A rotina dos casais, em grande parte. O tédio diário, inevitável para os personagens de Carver, algumas vezes quebrado por ações violentas, assassinatos não são incomuns.

Carver fotografou com precisão, sem a objetiva  dos sentimentalismos e melodramas, esse universo dos desencontros.

O Raymond Carver, de Iniciantes, não é o mesmo Raymond Carver que ocupou o parágrafo que você acaba de ler.

Mórbido e oportunista leitor, por favor me acompanhe nessa dupla exumação.

Iniciantes, quando tinha a paternidade dividida atendia por  Do que Estamos Falando Quando Falamos de Amor. A partir da interferência "nada oportunista" da viúva do autor teve sua identidade modificada. No entender deste aprendiz, para pior, rumo ao limbo habitado pela grande maioria dos contistas.

Você poderá compará-los facilmente, ambos foram publicados pela Cia. das Letras. Oportunidade para medir os cadáveres. O famoso, Do que estamos falando quando falamos de amor, que rendeu a Carver o rótulo de minimalista,  Carver a criatura de Gordon Lish, o editor que cortou e modificou os contos. Sobre a mesa ao lado  o cadáver original, exposto com todas suas adiposidades e aderências,o Carver de Iniciantes, o autor e seus excessos. Mais um contista, nada além disso.

O editor cortou, cortou sem piedade, mas não parou por aí. Um exemplo do trabalho de Lish é Cadê todo mundo?, aparece com esse título em Iniciantes, e você, descrente leitor, poderá compará-lo com a versão que contou com a “tesoura”do editor em 68 contos de Raymond Carver.A primeira mudança ocorre no título Mr. Coffee e Sr. Conserta -Tudo, e segue com mudanças de nomes de personagens, de tamanho, Lish o reduziu a metade, e o final, também alterado, traz mais impacto.

Foi com Do que estamos falando.... que Raymond Carver foi considerado um expoente do minimalismo, seguia o caminho de Hemingay. Poucos sabiam que tal caminho era indicado/iluminado pelo seu editor. Nesse mundo a exigir enquadramentos e rótulos, onde a literatura desponta como um dos ambientes mais propícios a tal prática, minimalista é uma classificação a ser exaltada.

Não é de hoje que o terreno literário aceita,e bem, uma floresta de excessos. O conto, embora sua suposta exigência de síntese, também se alastra enquanto a qualidade definha.



Pois bem, Carver alcançou fama e reconhecimento, apesar de sua temática repetitiva, graças a tesoura e, vá lá, conhecimento do terreno de Gordon Lish. Isso feito, vem a público a versão out Gordon, e, pelo menos aqui no Brasil, num  pouco costumeiro surto ético tenta-se justificar e criar uma diferenciação positiva pendendo para Iniciantes. A exumação exige calma e atenção, o cadáver de Iniciantes,percebe-se, foi conservado sob as mais requintadas técnicas, mas Do que estamos falando...ainda exala um certo perfume de inquietação. Fundamental às artes e à vida.

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