Há pouco mais de um ano recebi um e-mail, aberto para todos os amigos em comum, em que o Negão anunciava secamente: “Comunico que estou com um câncer no pulmão”. Assim, na bucha como era seu estilo. Enquanto escrevo estas linhas o corpo de José Henrique vira cinzas no crematório, como era seu desejo.
Zé era um cara brincalhão, botava apelido em todo mundo, ria e repetia a encarnação que fazia com os amigos. Quem vai me chamar de “Véi das Ó?” Não sei de onde tirou aquilo. Sei que incorporei tanto o apelido que já me assinava como “das Oliveiras”, invenção brincalhona do meu amigo. “Fala das Ó”, era como atendia um telefonema meu. Nos últimos tempos o “das Ó” já saia meio fraco no seu abatimento pela doença. Mas xingava o CTI do hospital, onde entrou pela penúltima vez de “sucursal do Inferno”. Na última, quando o vi pela última vez, respirava por aparelhos. Eu sabia que ele não mais saia de lá. Peguei o carro e sai desnorteado querendo apagar aquela imagem. Fui até o Mirante do Leblon num dia feio, nublado, e fiquei olhando as ondas quebrarem na encosta como se me devolvessem melhores imagens do meu amigo. E chorava um caro gole de cerveja, como se bebêssemos juntos, tal qual fizemos muitas vezes a falar mal do mundo e desacreditando da natureza humana (o melhor esporte de Henrique Lira). Zé era ateu como eu sou. E martelava na tese de que a humanidade não deu certo, me convencendo com exemplos das últimas trapalhadas políticas que acabavam com biografias impecáveis, enquanto longe do poder corruptor. A qualquer um, garantia.
Não acreditava em partidos, com a mesma convicção com que negava deus. Descobria atrás da bondade o interesse pessoal. Desmascarava os aparentes bem intencionados, sempre! Foi um geólogo da Petrobras, depois formado em Direito. Como geólogo dissecava a natureza humana com fina ironia, e simples como explicava as camadas geológicas da crosta terrestre. Depois, formado em Direito seu sarcasmo aumentou: defendia que a lei era uma invenção para conter os desvios (inevitáveis, segundo Lira) do humano. Hobbes era seu filósofo. Leviatã, sua bíblia.
Viveu intensamente para morrer tão novo. Como exagerava nas convicções, exagerava na bebida, nas mulheres, nos relacionamentos. Mas o Negão, acho que por uma sinceridade também exagerada, era gostado pelos amigos, os colegas de trabalho, pelas pessoas que conheceu mesmo que rapidamente. Amigos, muitos. Inimigos, que eu saiba, nenhum.
E eu senti uma saudade dele, de outro Zé, do Valdir, do Ricardinho, do Valney, do Julinho, do Edivan, do meu pai, minha mãe. Acho que estou com saudades de mim... Desculpem. Chove. E a chuva chora comigo.
______________________________
Foto do acervo de Fernando Gustav. Henrique Lira Rabelo argumentando com fina ironia. Assim quero lembrar o meu amigo Zé.
5 comentários:
Tive o inenarrável e imenso prazer de privar da amizade do Zé Henrique e compartiho a sua dor. Já desconfiava do ocorrido, devido não receber as costumeiras mensagens dele, nem tampouco obter resposta às minhas. Busquei e encontrei a confirmação aos meus temores. Estamos juntos nesse sofrimento, chorando com a costumeira chuva de Belém.Que ele tenha a paz merecida.
Da mesma forma como Cida senti a falta dos e-mail's do Henrique, e procurei investigar e uma colega comum acabou de me dar a notícia do falecimento do Henrique, ele me comunicou da doença em outubro quando fui ao Rio informei que estava indo e como poderia encontrar com ele, ele apenas me informou que todo Paraense é conhecido por se apresentar no aeroporto com isopores.
O Henrique além de Geólogo era formado em Direito pela Universidade da Amazônia, onde formou vários amigos, inclusive eu.
Gláucia - Belém do Pará
Que ele possa encontrar a paz.
Eduardo Santos - Belém/PA
Postar um comentário