O diário, segundo o define Philippe Lejeune, é uma escrita cotidiana, “uma série de vestígios datados” (2008, p. 259). Além de uma escrita “diária”, do registro de acontecimentos banais, trata-se também de uma exposição da intimidade para o próprio autor(a) que escreve, visto que, em princípio, não há endereçamento para o outro, como seria o caso das cartas. O diarista escreve para si mesmo, o eu é o interlocutor privilegiado. André Gide, ao apropriar-se da forma do diário( Diário dos moedeiros falsos) para escrever um romance ( Os moedeiros falsos), rompe com a convenção do gênero, revelando a sua identidade – sobretudo a de um sujeito autor – para um vasto público de leitores. Ou seja, o que é mais próprio do eu que escreve, o autor, que se define pela sua tarefa de escrever, é justamente o que se transforma em matéria de criação. O diário é uma espécie de texto em que a pessoa se observa ao longo do tempo, movida, quem sabe, pelo interesse de se autoconhecer, e pelo próprio gosto da escrita, onde esse ser que escreve acaba por se revelar a si mesmo.
Você, potencialmente mórbido leitor, marcaria qual alternativa para Roland Barthes com seu Diário de luto?Acredita que a imensa quantidade de aforismos revele a intenção do autor em se conhecer? Ainda tentando se conhecer naquela altura da vida? Ou quem sabe gosto pela escrita? Quem sabe... Vale lembrar o que Barthes diz em O ofício de escrever - vol. 1: escrever só é plenamente escrever quando há renúncia à metalinguagem; não se pode, portanto, dizer o Querer-Escrever senão na língua do Escrever.
Diário dos Moedeiros falsos é o diário do autor enquanto escrevia sua obra de maior repercussão, Os moedeiros falsos. Gide revela seu processo criativo, desde a criação dos personagens, do enredo, suas dúvidas, seus questionamentos acerca da trama e valiosas reflexões sobre o fazer literário. O leitor testemunha a relação de Gide com os personagens, relação que, por vezes, parece ultrapassar o âmbito da literatura.
Roland Barthes escreve seu Diário de luto enquanto prepara seus cursos para o Collège de France, escreve A câmara clara, mas diferente de Gide não permite a participação do leitor. Que se conforme com o papel de espectador.Um espectador choroso. Uma carpideira no máximo.
Diário de luto é um livro de aforismos sobre a dor de um homem frente a morte de sua mãe.Ao leitor atento sobrarão pistas do tédio, do desespero, e do início da caminhada de Barthes em direção a sua morte. “A verdade do luto é muito simples: agora que a mam. está morta,sou empurrado para a morte ( dela, nada me separa, a não ser o tempo).
As anotações são quase diárias, 26 de outubro de 1977 a 15 de setembro de 1979. Barthes morreu em março de 1980.Atropelado ao atravessar a rue des Écoles, em frente ao Collège de France.
Em seu livro, Roland Barthes. O ofício de escrever., Éric Marty assinala: Costumam dizer que ele se deixou morrer.O ferimento não era tão grave; na verdade morreu de infecção hospitalar.
O Diário de luto de Barthes é, em última instância, o seu diário, futuro órfão.
O meu?
Eu não queria aquela expressão no rosto morto de minha mãe, ali ela mentia, aparentava paz, ela me enganou e eu não chorei. Contra outros silêncios seus eu lutei, mas contra aquele não havia nada a fazer...
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