domingo, 28 de agosto de 2011

viagem sentimental



Edmar Oliveira
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Quando este texto for publicado espero estar fazendo uma viagem sentimental. Arrumei uns dias de folga para desembarcar em São Luis do Maranhão. Quero fincar a âncora desta nave espacial no centro histórico daquela cidade francesa com seu azulejado português. Quero andar na rua Grande, me afogar de saudades na rua dos Afogados, ficar todo errado na rua Direita, passear na rua do Passeio, andar nos pés da lembrança da praça João Lisboa à Gonçalves Dias. Contemplar a baia de São Marcos e ouvir do vento os versos do poeta da terra das palmeiras onde canta o sabiá. Morrer de saudades na rua da Inveja.

            É que na lembrança dessa geografia me faço menino, de calças curtas, andando no bonde do desejo de voltar no tempo. Passava às férias na casa de minha tia Dulce e quase que todas as tardes ela me dava dinheiro para ir ao cinema. Saia do João Paulo no bonde que corria nos trilhos acima dos paralelepípedos ringindo e faiscando quando cruzava o Monte Castelo, fazia uma curva no estádio Nozinho Santos e descia a rua Grande. Ia a cinemas no bairro da tia, no Monte Castelo e no Centro da cidade. Tinha muito cinema naquele tempo. Tia Dulce me levava ensinando o caminho, depois me deixava ir sozinho.

E numa dessas vezes, eu nunca me esqueci, sozinho comprei o ingresso no cinema errado, me deixaram passar pela portaria, e eu sem saber estava assistindo “O Belo Antônio”, com Marcelo Mastroianni. Me dei conta que estava no cinema errado porque sabia que aquele filme era proibido para menores de dezoito anos. Me perguntava como o porteiro não me barrara, mas tratei de me esconder no mezanino do segundo andar para não ser descoberto pelo lanterninha. Meus olhos descobriram curiosos cenas de nudez no cinema em preto e branco e não entendi porque o Mastroianni não conseguia comer a bela Cardinale. E só tive coragem de sair do cinema por último, evitando encarar o porteiro para que ele não se culpasse. A minha boa tia teve que ver o filme para me explicar por que os sicilianos colocavam o lençol na janela depois da noite de núpcias.

Outro filme dessa época foi Shane, que me marcou vida afora. Nem sei mais quantas vezes revi este "faroeste" psicanalítico. Toda vez que ele é reprisado nos canais fechados que passam filmes antigos, não resisto, vejo outra vez.

São Luís era a capital da cultura, a nossa Paris dos moradores do sertão. (meu Deus, o que o Sarney fez ao Maranhão?!). Era o cinema, o teatro na imponência do Artur Azevedo, as livrarias, os cafés, o casario colonial, as docas, os navios que levaram Gonçalves Dias as europas e afogaram o poeta já vendo as palmeiras de sua terra onde imaginava ouvir o canto do sabiá. E tinha o trem de ferro, comendo lenha e soltando brasa, que nos trazia lá do fundo do sertão. E eu vinha de Codó, terra das lendas e dos feitiços misteriosos. O trem não existe mais. Mas pretendo fazer esta viagem de carro. Devagar, como é a velocidade das lembranças. O resto, acho, conto depois.

2 comentários:

garrinchapi disse...

Beleza, Edmar, tua viagem sentimental. Também São Luiz me traz gratas recordações.E a vida continua, veio...

Anônimo disse...

meu Deus, o que o Sarney fez ao Maranhão?!O Maranhão está abadonado... principalmente São Luis, a ilha do amor, dos poetas e dos azulejos. Mais ainda resta a cultura e o p ovo hospitaleiro. Boa viagem a sua, Edmar. Ellen Neiva - ellenneiva@globo.com