domingo, 28 de agosto de 2011

A Mulher Trêmula


Luiz Horácio

A presença marcante da primeira pessoa em alguns tipos de narrativas, autobiografia, confissões, diários, memórias,  permitem ao autor os papéis de criador e protagonista. Oferecem ao leitor a possibilidade, equivocada ao meu modo de ver literatura, de tornar material um ser de linguagem. O autor invisível deixa suas pegadas, seus reflexos ao utilizar os gêneros citados .Mas até que ponto valeria a pena seguir tais pistas? E ao segui-las, por mais evidentes que sejam, o leitor encontrará alguém que não lhe terá nada a dizer, embora um ser de linguagem.

No livro Écrire, pourquoi?, a escritora e crítica de arte Véronique Pittolo discorre sobre o que ela entende ser as  duas formas de escrever: “ou se escreve sobre si a partir de uma experiência pessoal, autobiográfica, ou se escolhe um tema exterior para lhe fazer submeter todas as espécies de mutações e de metamorfoses”.

 À  autoficção compete a primeira opção, ou seja, romancear a experiência vivida.

Siri Hustvedt escreve sobre si, sobre suas experiências, mesmo que ao leitor não afeito às questões neurológicas, às convulsões e à psicanálise, essa escolha acabe por gerar apenas estranheza, nunca uma estranheza estimulante, cabe alertar. Algo beirando o tédio.

Quem, e conheço muitos, tiver apreço por doenças, encontrará em A mulher trêmula, assunto para muitos debates; por outro lado quem, feito este aprendiz, detestar o assunto talvez apenas se surpreenda com a coragem da autora.

Mas também é característica da autoficção, a ambiguidade. Até onde Siri relata o acontecido e não o imaginado? Confesso ser justamente essa indefinição o aspecto que mais me agrada na autoficção.

A mulher trêmula é fruto de uma experiência, de uma terrível experiência. Pelo menos é a informação/apelo que o leitor tem antes da leitura. Desde a infância Siri Hustvedt, autora/narradora, era acometida de ataques de enxaqueca, fato que a despeito do desconforto não trazia maiores consequências. Mas durante uma solenidade na universidade onde deveria proferir um discurso em homenagem a seu pai, morto dois antes, seus braços perderam a força, suas pernas tremeram, mas ela continuou seu discurso como se tivesse incorporado uma segunda pessoa, um orador calmo e seguro. Assustada, Siri foi buscar apoio num grupo formado por psicanalistas e neurologistas que estudam fenômenos como esse. O relato dessa experiência, do mergulho de Siri no mundo da psicanálise e da neurologia constituem a narrativa de A mulher trêmula ou Uma história dos meus nervos

No trecho a seguir, de A mulher trêmula a autora refere Desilusões de um americano, seu livro anterior também merecedor de meu olhar nestas mesmas páginas.

“Comecei a ler a respeito desses mistérios muitos anos  antes  da tremedeira vespertina em Northfield.Mas as investigações se intensificaram quando decidi escrever um romance com um personagem psiquiatra e psicanalista, um homem que passei a considerar meu irmão imaginário, Erik Davidsen. Criado em Minnesota por pais muito parecidos com os meus, foi o menino que nunca nasceu na família Hustvedt.( HUSTVEDT,2011,p.12)

Percebe-se no trecho acima a interseção do discurso biográfico com o discurso ficcional. A voz da narradora/autora , primeira pessoa, tornando pública a atitude de investigar os meandros da mente humana e um dado ainda mais evidente ao criar o irmão imaginário, o menino que nunca nasceu na família Hustevedt.

Mas até que ponto esse eu narrador coincide com o eu autora? Essa incerteza, esse enigma é ao mesmo tempo um dos atrativos do gênero autoficção. Refaço a pergunta: por que tentar descobrir  o autor pessoa? Não é o mais importante.

A mim parece que retornar às vezes significa ir em frente. A busca pela  mulher trêmula me faz dar muitas voltas, pois no final das contas ela é também uma busca pelas perspectivas capazes de esclarecer quem e o que ela é. Minha única certeza é que não me satisfaço em observá-la a partir de um único ponto de vista. Preciso vê-la por todos os ângulos. (Hutsvedt, 2011 p.73)

A autora torna a mulher trêmula personagem. O eu se vendo ou seria o caso de esse eu se procurando?

A própria autora, páginas antes:

“Eu” existe apenas em relação ao “outro”. A linguagem ocorre entre pessoas, é adquirida através de outros, não obstante disponhamos do equipamento biológico necessário para aprendê-la.” (HUTSVEDT,2011 p.57)
Cabe ao leitor criar seu quadro de imagens, a autora já criou o dela

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