domingo, 8 de maio de 2011

Fenomenologia da Obra Literária

Luiz Horácio

Fenomenologia da obra literária chega a sua quarta edição  com uma mudança de orientação. Onde antes tínhamos Roman Ingarden agora temos  Martin Heidegger. O livro é um clássico no que diz respeito à teoria literária. Nessa edição, a professora Maria Luiza Ramos apresenta a contribuição da filosofia, da fenomenologia para ser mais exato, aos estudos literários.


Acabo de alertar para a mudança de  rumo da versão atual, anteriormente guiada por Ingarden/Husserl, agora segundo a orientação de Heidegger, mas sob o mapa de Husserl.


Roman Ingarden em A obra de arte literária baseia seu estudo  acerca da análise da obra literária na fenomemologia de Husserl. Segundo essa fenomenologia tudo o que existe é reduzido a consciência pois esse é o único meio que nos permite  perceber e conhecer  o mundo. Desse modo, a consciência dá sentido a tudo o que existe.    No que diz respeito a análise literária olha-se exclusivamente para a obra, desconsidera-se  se tudo o mais;biografia do autor, aspectos psicológicos, subjetividade do leitor,etc… A análise se resume a estrutura do texto que é dividido em estratos; fônico,unidades de significação,objetividade, aspectos esquematizados. No entanto é impossível analisar esses aspectos individualmente sem prejuízo da unidade textual.


Heidegger,além de discípulo de  Husserl  era considerado por este como seu filho- substituto( perdera o filho mais moço na guerra em 1916)  trilhou caminho diferente. Imaginava uma fenomenologia que mostrasse o que se esconde. Heidegger entendia que fenomenologia não seria a construção do pensamento, e sim um trabalho de desconstrução de encobrimentos.

Maria Luiza segue a risca essa orientação e descobre, desvenda, obras representativas da literatra brasileira. Sim, apressado leitor, nada é definitivo, não implica você passar a ler, entender,interpretar conforme os ensinamentos da professora.

Se, grosso modo,  fenomenologia é consciência e segundo Heidegger   a fenomenologia deve mostrar o que está escondido, o resultado fiel é  este Fenomenologia da obra literária.
Maria Luiza consegue descobrir e mostrar aquilo que se esconde inclusive nos poemas de Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
Mas não se resume a análise dos poemas da dupla, sempre levando em consideração o contexto histórico, o que não se percebe na fenomenologia de Ingarden. Maria Luiza traz Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e, você já deve ter percebido, embora priorize a poesia o espaço concedido a análise de obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa vale o livro. Sobre Machado, breve exemplo:

Quando dizemos, porém, Capitu, não podemos atribuir a  esse obje to uma caracterização existencial, mas tão somente uma posição existencial. No entanto, é claro que podemos dizer Capitu referindo-nos expressamente à personagem de Machado, e neste caso o nome vai adquirir caracterização existencial através da obra do escritor.”

Sobre Guimarães Rosa.Peço sua atenção às próximas linhas, as citadas pela professora, bien sûr.

Ao se referir ao grupo semântico onde o surpreendente  é lugar comum. “No conto “Famigerado” sucede um fato “insolitissimo””:
Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça?
Pergunta semelhante se encontra no conto seguinte: E foi o que não se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo? Em “O espelho”o Narrador se reporta ao  transcendente:
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério.
Por vezes, diz o Narrador: ninguém entende ninguém; e ninguém entenderá nada, jamais; esta é a pratica verdade.
E o ponto culminante dessa situação está no conto “A terceira margem do rio”. Quem não se lembra daquele Pai que se mete numa canoa ao sabor das águas para não ir a lugar nenhum? O Filho, que é também o Narrador da estória, não se afasta da margem, clamando pela sua volta, perplexo: “Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.”

Para o senso comum o comportamento do pai é não senso, tanto assim que, em todas as bocas, diz o Narrador, havia o medo de se pronunciar a palavra doido: Ninguém é doido.Ou, então, todos.”

Caro leitor, se a princípio o termo fenomenologia causa estranheza não permita que também seja o causador de seu desânimo. A curiosidade não nos distingue da maioria dos animais, mas é capaz de nos proporcionar inesquecíveis sensações.Permita-se a curiosidade e leia esse magnífico trabalho de Maria Luiza Ramos.



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