A nossa geração falou demais de tudo. Por isso mesmo resolvi eleger como assunto de hoje, dentro da órbita do Piauinauta, a minha experiência como leitor do jornal A Folha de São Paulo, pois fui assinante dele por mais de dez anos. Há leitores que lêem o seu jornal de cabo a rabo, comigo nunca aconteceu isso, sou seletivo. Leio pela sugestão dos títulos, das manchetes, que é de certo modo uma síntese do conteúdo. Às vezes, se tenho muito tempo disponível me arrisco a fazer palavras cruzadas, que não deixa de ser um modo de exercitar os neurônios. Aprecio também as tiras de quadrinhos, principalmente Garfield e Hagar. Mas abri mão de tudo isso. Sou um ex-assinante de jornal.
Durante esses dez anos que li a Folha e vi passar por meus olhos textos de vários colunistas; alguns desapareceram, sem deixar rastro, outros continuam com a sua coluna. Nunca senti falta de nenhum deles, a não ser da colunista Marilene Felinto, escritora de talento e coragem, e que não demorou muito no jornal.
Mas por que deixei de assinar a Folha? Não foi questão ideológica. Talvez tenha sido um pouco de questão geográfica; este Brasil é imenso e a cultura letrada não chega a todo lugar com pontualidade, nem mesmo a televisão. Pois a antena parabólica adianta os programas, e nossos fusos horários são variados.
Aconteceu que me mudei de mala e cuia para a cidade de Rondonópolis, no interior do estado de Mato Grosso. Dei o meu novo endereço para a agência distribuidora do jornal em Campo Grande. E fiquei esperando o jornal chegar pontualmente; até me lembrei dos filmes americanos em que a gente via o jornal juntamente com a garrafa de leite, que o mensageiro deixava na porta do apartamento de manhã cedo. Outros tempos. Quando o leitor acreditava no seu jornal. E a publicidade não o rebocava.
O jornal começou a atrasar. Pensei que logo se regularizaria. Nada. Continuou atrasando. E quando chegava vinha dois ou três de uma vez. Eu não ia ler três jornais em seguida. Seria uma redundância. Pois eles sempre dizem as mesmas coisas, em edições diferentes. Ainda bem que estava chegando o fim de minha assinatura. Duraria mais um mês, por aí. Passou o mês, o jornal sempre chegando atrasado. Desisti de fazer nova assinatura. A principio pensei que não fosse me acostumar sem leitura de jornal, mas me habituei. Troquei o jornal pelos livros. Aproveitei para reler alguns clássicos, para saborear melhor o seu conteúdo e me desintoxicar do estilo padrão das redações da imprensa. Na verdade, o jornal é um outdoor volante que serve para você folhear, e que me irritava sinceramente. Eu via naquelas páginas e páginas e páginas de anúncios repletas de condomínios e de apartamentos, as florestas do Brasil sendo destruídas. Além de sujar as minhas mãos com a tinta grudenta, eu sentia o seu mal - cheiro exumado das manchetes policias e os pavorosos desvios do dinheiro publico pelos políticos corruptos.
Logo que cancelei a minha assinatura alegando do atraso contínuo, eles prometeram colocar tudo em ordem, mas foi só conversa. Parece que não havia estrutura para o jornal chegar até aqui, diariamente. Um assinante para eles, a mais ou a menos, não abalaria o nível de suas assinaturas, até mesmo porque quem conta não são os assinantes, e sim os anunciantes, estes são os que pagam o funcionamento do jornal.
O certo, é que, boa parte da nossa geração, fala demais de tudo, fala bem e fala mal, sem precisar ler os periódicos. Eu já quase não leio mais jornal e vou continuar falando demais de tudo, bem e mal. Quando quero obter noções mais detalhadas dos acontecimentos políticos e sociais que se desenrolam pelo Brasil e pelo mundo entro nos jornais eletrônicos, acesso a internet. Localizo The New York Times. Le Monde diplomatique, este dois me bastam. E assim sem arredar pé de casa folheio dois grandes jornais na minha mesa, pontualmente.
Mas não vou dizer que não tenho saudade da Folha. Ainda hoje tenho comigo recortes de seus textos. Coisas bizarras que aconteceram no cotidiano da vida brasileira, flagrantes inusitados de um realismo mágico digno de Gabriel Garcia Marques, os quais podem ser fontes de recriação literária.
Hoje o jornal, a velha imprensa, está em uma encruzilhada, batendo de frente com o jornal eletrônico. Isto me faz lembrar uma velha charge em inglês do jornal USA TODAY publicada na Folha de São Paulo,em sua antiga coluna multimídia. O texto está em inglês, em forma de diálogo. Para melhor esclarecimento, vou descrever um pouco a cena. O pai esta lendo um jornal, o menino está no computador. O pai diz: “Junior when you are my age, the price of a stamp will be over a dollar”. O filho perguntou plugado à internet: “: What is a stamp?”
Bom. Acho que já falei demais. Mas ainda tenho uma coisa para dizer. Depois de mais de dez anos de assinantes ganhei do jornal, como premio de consolação, um livro de Sergio Buarque de Holanda – Brasil, Visão do Paraíso, cá para mim, coincidência ou não, soou como uma grande ironia, pois hoje o que temos do Brasil é realmente uma visão assustadora. Mas dantesca do que paradisíaca.
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