Todos sabem da existência das inúmeras maneiras de se contar uma história. Factual ou ficcional, pouco importa, ambas permitem a adição e subtração de elementos. Significativos ou não, dependerá de quem receber a história.
Exemplo atual: História da literatura brasileira. Da carta de Caminha aos contemporâneos. Natural a estranheza de um leitor acadêmico frente ao pouco didático livro de Carlos Nejar. Então fujamos da academia, do âmbito universitário, façamos uma incursão pelo ensino médio, talvez a estranheza se torne ainda maior, visto que Carlos Nejar dispensa maior atenção aos autores em detrimentos das escolas a que pertencem.
Carlos Nejar escreveu a sua história da literatura brasileira e ao coro dos descontentes aumentado pela presença da horda de invejosos não faltará lacuna por onde poderão expressar suas insatisfações.
Comecemos pelos saudosistas ou conservadores, aqueles que preferem a história deste ou daquele outro autor, a de Afrânio Coutinho, a de Antônio Candido mais centrada na história da formação do Brasil, a hsitória de Massaud Moisés e seu didatismo que ainda acompanha e entedia nossos estudantes, sem esquecer a também didática e convencional história de Alfredo Bósi, e ainda a subestimada, porém elogiável, História da Literatura Brasileira: do descobrimento aos dias atuais, de Luciana Stegagno Picchio. Entendê-las assim ou assado é uma questão de recepção da obra, e muitas vezes de necessidade daquele que a buscou, não vai aqui juízo de valor, visto que todas Histórias da literatura brasileira têm sua importância, por mais que encontremos lacunas aqui ou ali. E elas sempre existirão.
História da literatura brasileira. Da carta de Caminha aos contemporâneos, escapa ao modelo do gênero, estava na hora.
E o historiador, cita o filósofo Richard Rorty: “A literatura não faz progresso por tornar-se mais rigorosa, porém, por tornar-se mais criativa”
Nejar privilegia os escritores, escolas em segundo plano, emite juizos e foge a uma norma vigente em seu território natal, separa, segundo sua percepção, o joio do trigo. Reside aí um dos aspectos a comprovar a identidade dessa obra, a presença da opinião, do ponto de vista de quem está dentro desse tempo, de quem colaborou para a construção desse tempo. Assim o autor consegue avaliar o peso da parte que lhe tocou e certas filigranas que alguns colegas utilizaram e hoje se vangloriam da luxuosa colaboração. Colaboração no mais das vezes supervalorizada por nós resenhistas supostos conhecedores e críticos da obras e do tempo. Carlos Nejar dá justos puxões de orelha em muitos de seus colegas, mas o maior, o mais dolorido coube a nós, os críticos, os que deveriam separar o joio do trigo. E separamos, geralmente preferimos o joio. Infelizmente para a literatura, que Nejar tanto respeita, ama e homenageia de forma jamais vista por estas plagas.
O autor adverte: “Não existe imparcialidade: existe julgamento, em que os fatores internos ou externos influem, ou vice-versa.”
O leitor perceberá ao longo das 1018 páginas a doce severidade de um autor, perceberá não estar diante do “livro das boas intenções”, da ata de uma ação entre amigos; exemplo, ao discorrer sobre a obra de Ariano Suassuna: “Sim, essa prosa heráldica é nevoenta e esgota a possível razão do pachorrento leitor.E o mais curioso é como um autor que defende as origens populares da cultura faz dessas origens tamanho emaranhado de miragens à cata do simbólico e monárquico, ou de humosas águas medievais, ou do turbilhão de sonhos em torno do Rei S. Sebastião, ou do posterior advento de Sinésio, o Alumioso.Não, não há claridade no delírio.Embora haja certo delírio na claridade.”
O leitor da História, de Nejar, encontrará várias outras características identitárias ao longo da obra. Uma delas é bastante significativas por abordar os escritores canônicos e também trazer à luz alguns escritores esquecidos como o poeta gaúcho Carlos Heitor Saldanha, relegado a um segundo plano devido a notoriedade do contemporâneo Mario Quintana. Enquanto este mantinha a coluna semanal Caderno H no jornal Correio do Povo,o que garantia a visibilidade, sem compromisso social, àquele se mantinha solitário e produzindo uma poesia de cunho social. De seu poema Galerias escuras, retrato de sua preocupação com os trabalhadores de Minas do Butiá e São Jerônimo, Nejar destaca o fragmento; “Te levanta, Severiano! Façam luz nas galerias!/ E o carro de Severiano rolava como um trovão.”
Diz Nejar, na introdução de sua História, “a prosa é o voo da arte”, e seguindo essa prosa cativante o leitor se embrenhará em medo pelas veredas de nossa história literária. Obra de referência de nossa literatura embora os protestos oriundos de todos os quadrantes reclamando que fulano recebeu espaço maior que sicrano, mas cá entre nós, o que uma obra dessas deve suscitar de inveja!
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