domingo, 18 de julho de 2010

Uma Janela na Procissão

Geraldo Borges



A procissão estava começando. O povo levava o Senhor Morto para a catedral. Entardecia. Nuvens no céu metamorfoseavam-se em estranhas imagens. Velhos casarões provinciais, com amplas janelas abertas, ladeavam a rua. A multidão em couro cantava Ave Maria cheia de graça. Um seminarista, alto, de perfil romano, rosto imberbe olhando para o céu avistou em uma das janelas uma mulher nua que debruçada no peitoril olhava a procissão passar. As pálpebras do seminarista tremeram, seu rosto ficou vermelho. Baixou os olhos. Viu apenas um busto da mulher com dois peitos dadivosos de bicos rosados. O resto o balcão da janela o impedia de contemplá-la inteira. Começou a imaginar a mulher. Ai ela apareceu completa. Seus olhos desceram em toda a sua totalidade. Começaram pelo umbigo, os quadris, as coxas, as pernas.



A procissão continuava. Sentia-se sufocado no meio da multidão. E com medo de ser atropelado. Parou. Criou coragem e fitou a mulher diretamente em seus olhos verdes. Ela notou a sua presença e lhe fez um sinal, quer dizer, fez o pelo sinal, desenhando uma cruz rapidamente sobre os peitos enormes. O seminarista resolveu continuar andando. Ninguém notou a sua emoção. Era como se fosse uma nuvem que estivesse se transfigurando.



De súbito saiu do meio do povo. E deixou a procissão passar. Fazer o seu caminho. Ficou só. Olhou o casarão em sua frente. E resolveu subir as escadas do velho sobrado rente à calçada. Pensou. Todo mundo está na procissão. Com certeza a mulher está sozinha, Todo mundo nesta cidade é católico. Vou conferir se isto é uma verdade absoluta, ou apenas um devaneio.



Subiu as escadas correndo. A janela era no terceiro andar. Quando chegou lá, entrou por um corredor. E num rasgo de intuição acertou o quarto. Lá estava a mulher. Nua, Rezando ao pé de um oratório. Quando ela se virou e viu o seminarista, estava terminando de dizer livrai - nos do mal Amem. Não demonstrou nenhum gesto de pudor ou surpresa. O seminarista lhe perguntou;



- Por que você não acompanhou a procissão.



O que ela respondeu com uma pergunta:



- E você por que está aqui?



- Você me chamou.



- Eu não. É engano. Eu apenas fiz o pelo sinal quando o avistei perdido no meio da multidão.



- Verdade?



- Absoluta.



- Então vou descer. Ainda dá tempo de retornar a procissão. Você não quer ir também?



- Só se for nua, despida. Assim como estou. Você me leva?



- Assim não pode. Vai destoar de todo mundo.



- A única pessoa que poderia se incomodar seria Nosso Senhor Morto. Ele não se incomoda. Também está despido.



- Mas o povo se incomoda.



- Por quê?



- Por que o povo é incomodo. Se você se vestir a gente desce junto e alcançará o Senhor Morto antes dele entrar na Catedral.





- Não. Não me vestirei. É melhor você ir embora imediatamente para a sua procissão, de onde você desertou. Tenho certeza que se você me levasse nua para lá ninguém iria notar. Apenas você notaria como de fato notou, pois não tira os olhos de meu corpo. Foi por isso que você subiu até aqui.



- Sendo assim. Adeus. Estou descendo.



- Não vá. Vamos rezar aqui mesmo na presença dos santos do oratório. Eles não vão notar nada. Tire a sua roupa.



Dito isso ouviram o toque do sino na catedral, ajoelharam-se, abraçaram – se. E na paz do espírito santo conceberam um filho.





.

Nenhum comentário: