domingo, 4 de julho de 2010

Empregada Doméstica

Geraldo Borges

De repente, se eu ficasse desempregada, não me custaria arranjar um emprego. Logo iria trabalhar na cozinha de uma madame do Jóquei Clube. Sou nordestina da gema. Sei preparar pratos regionais, e outras iguarias, com todo capricho e requinte. E para falar a verdade, botando o preconceito de lado, o emprego doméstico é um bom negócio.

A classe média alta paga bem. Claro que eu vou apenas cozinhar, seria o meu ofício. Copeira, passadeira, arrumadeira, seria mão de obra para outras pessoas. Eu entendo muito bem da divisão do trabalho. A minha tarefa seria apenas dirigir um fogão. Já pensou, eu num belo uniforme, com o brasão da patroa, toca, avental. Linda. Uma tentação para o dono da casa. Seria como eles dizem, com seu eufemismo politicamente correto; uma secretária.

Tentaria o máximo possível resguardar a minha privacidade. Teria meu quarto, minha cama, meu banheiro, minha televisão. Espaço pequeno, quase uma cela. Mas tudo bem. Eu seria uma espécie de monja. Trataria o patrão e a patroa, com todo o respeito. E esperaria reciprocidade.

Vejamos algumas vantagens de ser empregada doméstica: ter onde dormir, nesses tempos em que as criaturas de Deus dormem debaixo dos viadutos, em cima dos jornais; café, almoço, janta, merenda, não pagar luz, nem água. E, no final do mês, receber o seu salário líquido, já descontado os encargos sociais.

Cozinhar não é tarefa para qualquer um. Não é só botar uma panela de feijão, com água e sal, no fogo, fritar um ovo, assar um bife. Muita gente desvalida sai do interior, não sabe fazer nada, não acerta um molho. Não tem gosto para apreciar um tempero, tem a mão pesada para salgar. Vive de mau humor, quebra prato, copo, queima o arroz, um fiasco. São pessoas que desclassificam a confraria dos cozinheiros. Pensam que só porque são mulheres sabem cozinhar, como se cozinhar fosse ter filhos. Engano. Os melhores cozinheiros são homens, finos cavalheiros. E como a culinária está cada vez mais sofisticada, já tem até Faculdades para formar bons cozinheiros. E não é fácil encontrar uma vaga.

Mas, como eu estava dizendo, se eu ficar desempregada, logo estarei trabalhando. Pois não tenho preconceito em descer de minha posição de recepcionista. O que é uma recepcionista? Não é também uma criada, dentro de seu uniforme. Eu já fui aeromoça. Já estive lá em cima, no alto. E o que é uma aeromoça senão uma criatura que trabalha na cozinha de um avião, e serve aos passageiros, com as mãos delicadas; um sorriso de seja bem vindo a bordo. E ainda por cima a maioria fala inglês. Eu também sei falar inglês. E não é porque vou trabalhar em uma cozinha que uma madame vai me rebaixar. Todo trabalho é dignificante. Mesmo sendo uma relação de servo e senhor.

Existem muitas cozinheiras que se deram bem com os patrões. Mas isto é outra literatura, segredo de família. Promiscuidade. Estou aqui para reconhecer que apesar da falta de emprego na praça, é uma boa saída trabalhar como empregada doméstica, seja em casa de branco, de pardo ou de negro, nesse país. Garanto que uma cozinheira competente não vai passar necessidade.

A cozinha é um grande laboratório. Na arquitetura das casas modernas, ganhou o lugar da frente. A culinária é uma arte maior, com ela começamos o nosso dia, sem ela não há festa, nem confraternização. O mundo está repleto de revistas tratando da saúde e do alimento, receitas de dar água na boca. O bom cozinheiro tem que possuir precisão no corte da carne, para não estragar as fibras, atenção na escolha das verduras, conhecer o segredo do cru e do cozido, ter perícia e delicadeza para tratar os temperos, muito coragem para cortar um pescoço de uma galinha, caso seja preciso, ou embebedar e sangrar um peru para o Natal.

Eu estou pronta para isso, casa seja necessário. Pois a vida é cruel. Bom. Ainda bem que meu emprego, por enquanto, está garantido. Mas se eu tiver, de encarar profissionalmente uma cozinha, qualquer dia desses, vou encarar com tranqüilidade.

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