Meu bom José,
A tua modéstia te pôs em retirada até antes de ouvir o quanto este amigo reconhece em ti. O imbecil sou eu de não te falar isto em vida.
Porque o bom José cuidava de todos. Nós exagerávamos no uso de sua bondade. Fosse uma mãe doente de um amigo distante, José era eleito o cuidador da mãe do outro. E cuidava dela como se fosse a sua. Mas aí a gente já pedia uma atenção para a irmã, o cunhado, aquele conhecido e o bom José atendia com presteza. Preocupava-se com nossos filhos, como se fossem os seus. Fazia-se amigo com uma naturalidade que passou a ser característica pessoal. Parecia turrão, falava pouco. Era pragmático, não sabia colocar nas palavras a bondade que tinha por dentro. Mas era um coração maior que seu tamanho desengonçado. Eu o chamava Zé. Apenas Zé. Pra que mais? É que gostava de ser seu amigo. E Zé é a intimidade de amigos.
Lembro do carinho com que ele tratava a tia Jovem. Nas exigências de Ruth comentava um baixinho – “mas eu sofro!” – e ria da brincadeira que fazia. Com a Bobó brigava como brigava um filho e não um genro. Juntou toda a família ao seu redor, parentes todos e aderentes. E ainda tinha tempo para cuidar das famílias dos outros, do professor Galvão, do seu Caquim, do Gordo, do Josimar, do Zé Henrique, da do Chicão, de muitos outros e da minha também.
Quando fui a Teresina, devo a ele e a meu irmão a organização do lançamento de meu livro. Uma festa das mais bonitas que já tive me foi dada por Zé e seu poder de juntar pessoas, de conseguir organizar eventos. O entusiasmo com que se dedicou a esta festa revelava toda a bondade que derramava a um amigo. Simplesmente traduzindo o gostar, o que não sabia dizer com palavras.
Os colegas o respeitavam pelo espírito de liderança. Venceu na vida, como se diz por aqui. Colheu o que plantou na construção da família, do seu sonho. Com Ruth construiu Débora, Diego e Diana. Gostava dos amigos antigos. Sua casa era sempre aberta aos colegas de sua infância pobre. E estampava o prazer no rosto de servir um churrasco, um arroz de capote, uma Maria Izabel feitos por ele ou por dona Ruth. Era tão bom que reformou o bar do Quedade com a desculpa que era para seu uso pessoal e para fazer uma festa nos cinqüenta anos de sua amada.
Mas o Zé adoeceu, como acontece muito comumente aos homens bons. Parece que Deus gosta de os matar cedo. E José escondeu sua doença de todos, com o argumento, que sempre teve, de que estava tudo sob controle, era um linfomazinho. Um tumor que a minha irmã teve, que o Wilsinho teve e que, até a Dilma que quer ser presidente, ficou curada. Convenceu a todos de que era uma bobagem e se escondeu em São Paulo. Para não dar trabalho a ninguém. Para que ninguém se preocupasse com ele. Não era ele quem se preocupava com todos?
E sozinho o meu bom José se foi. Conversei com ele várias vezes. Tinha uma pulga atrás da orelha: para que tanto arsenal terapêutico para matar um tomorzinho? Mas ele dizia que era a última moda do Hospital Sírio-Libanês, que ele ia ficar bom. Da última vez que falei com José sua voz não estava mais firme, mesmo querendo me esconder que estava bem. Estava já indo embora.
Nós não soubemos cuidar do bom José. E quem vai cuidar de nós agora? O homem bom foi embora. Parece que Deus quis tirá-lo do nosso meio para ele não ficar muito cansado nessa tarefa de cuidar dos outros.
Mas eu não gostei do que Deus fez não!
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na foto, eu, Patricia e bom José (em pé, lendo, a dona da pousada Josevita Tapety). Quando estivemos em Oeiras, na nossa última viagem juntos. Foto de Moisés.
5 comentários:
Associo-me ao pesar de toda a classe médica local e de inúmeros amigos ao tempo em que ressalto a sua alegria contagiante e simplicidade, assim como a admiração que ele nutria pelo amigo Edmar.
Associo-me ao pesar de toda a classe médica local e de inúmeros amigos ao tempo em que ressalto a sua alegria contagiante e simplicidade, assim como a admiração que ele nutria pelo amigo Edmar.
Que linda essa foto Edmar. Não me lembrava dela. Gostei tanto do Zé, que conheci pessoalmente nessa viagem maravilhosa que fizemos ao Piauí. Já o conhecia de ouvir as histórias nos "causos" que vc conta e adorei, mais ainda, conhecê-lo ao vivo e a cores. Com certeza, grande parte da enorme gentileza dele comigo teve a ver com o fato de eu ser sua amiga. Zé realmente te admirava muito. Entendo sua dor e conte com a amiga aqui pra conversar, te dar um ombro e beber umas e outras pra afogar as mágoas e brindar ao seu amigo!Que foi pra algum lugar onde os homens bons devem se encontrar!
Mais uma grande perda. O lado ruim de durar na vida é ver os amigos irem embora.
Luiz Carlos (from NYC)
"...É TÃO ESTRANHO
OS BONS MORREM ANTES
ASSIM PARECE SER
QD ME LEMBRO DE VOCE
QUE ACABOU INDO EMBORA
CEDO DEMAIS..."
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