domingo, 18 de julho de 2010

Aquele Menino Bom

Paulo José Cunha

"...Quando a gente tenta
de toda maneira
dele se guardar
sentimento ilhado,
morto e amordaçado
volta a incomodar" -




Trecho de "Revelação", de Clodo e Clésio

Lá nos anos 70, quando nós ainda sabíamos caminhar sobre as nuvens, toda
vez que os meninos do Piauí iam lançar um disco levavam a fita demo pra
gente ouvir em primeira mão lá em casa. Fatinha fazia uns tira-gostos, a
gente bebia uma cachacinha e o bolachão estava batizado. Uma vez,
embriagados até o deslimite da embriaguez, vimos o fantasma de Torquato
Neto passando da sala pra cozinha. Outra vez a americana Ellen, que
morava no apartamento de cima e havia chegado, atraída pela algazarra,
resolveu provar cachaça e plantou banaeira no meio da sala até vir
abaixo, num estrondo que acordou metade da Asa Norte, enquanto ríamos de
sua falta de jeito com a bebida mais nacional do Brasil. Foi assim com
"São Piauí", o primeiro bolachão deles. E o "batismo" regado a cachaça
Mangueira e boa conversa se repetiu pelos demais discos, virou uma
espécie de ritual, uma simpatia pra que tudo desse certo. E dava. Até que
me separei da Fatinha. Até que eles se separaram, cada um com sua
carreira solo. Até que nos reencontramos, todos, na Fac-UnB, dando aulas,
tomando café nos intervalos, rindo de nós mesmos. Naquela época, num
artigo escrito sobre "São Piauí" para o Correio Braziliense eu me referia
ao Clésio como "aquele menino bom".


E assim foi que ele se guardou em mim: um menino bom, de riso franco,
eternamente com aquele cigarrinho no canto da boca, a barba rala, os
olhos miúdos, sagazes, atrás dos óculos. E uma sensibilidade destamanho,
expressa nas letras de simplicidade marcante. E a voz do Clésio? Pequena
e claudicante, mas ele não forçava nada, mantinha-se nos limites de suas
possibilidades (como Nara Leão).


A cada encontro ou reencontro, a efusão de alegria, a festa do abraço, a
explosão do bem-querer.


É.


O planeta ficou um tantinho menor, sem aquele menino bom.

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