quinta-feira, 14 de maio de 2009

Aguaceiro

Edmar Oliveira

O Velho Monge espreguiçava rumo ao norte e, como uma serpente, alargava cada vez mais o Maranhão e estreitava o Piauí junto ao maciço de Ibiapaba. Lembro o tempo em que o rio era uma estrada para a navegação das barcas e dos vapores. Os vapores eram de ferro, fabricados na Inglaterra, e queimavam madeira nas suas caldeiras soltando uma fumaça preta anunciando ao longe sua chegada. Me lembro de viagens no convés, onde em redes armadas balançávamos nossos sonhos. Nas margens do Piauí, as lavadeiras esfregavam as roupas ensaboando o rio. Do lado maranhense a densa floresta já anunciava a Amazônia. Os carnaubais e buritizais acompanhavam o rio emoldurando o cenário. Rio largo, fundo, caudaloso, manso, com suas águas barrentas como se fossem uma estrada de terra cortando o sertão. Na suas enchentes ele extrapolava um pouco do seu leito, apenas para levar vida às suas margens, engravidando a terra. Na volta ao leito deixava as “vazantes”, terra do cultivo das melancias e melões de cheiro intenso. A curimatã, o piau, o mandi e o surubim alimentavam meu povo. Aquele rio era eu.


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Envelhecendo vejo o rio morrendo. Uma barragem de hidroelétrica em Guadalupe prendeu suas águas. O assoreamento de suas margens tirou seus limites. O seu leito subiu em bancos de arreia. A navegação acabou. O seu serpentear não é mais o mesmo. E ele se derrama em suas margens com muito mais facilidade. As suas águas escassearam. Seus peixes sumiram no derramar dos esgotos das cidades e no diminuir do oxigênio das águas.


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E junto ao aquecimento global, que inverte o clima no planeta, o rio não estava preparado para essa cheia. As suas margens se derramaram em terras nos dois lados lavando as cidades. Na Teresina, junto com o rio Poty, o grande rio dos tapuias invadiu os quintais, as casas, as ruas. É triste o chorar da nossa gente desabrigada pelas águas. Mas não tenho como não pensar que esse aguaceiro é uma vingança do rio pelo que lhe fizemos...

3 comentários:

Maria disse...

Lindo o texto!Cada frase, cada expressão,me remeteram aos rios de minha infancia, que hoje estão mortos.O RIO TIETE , que na minha infancia andei de canoa, com as mãos dentro d'agua.Hoje...Um rio esgoto...Progresso!O Rio Piracicaba onde ia com meu e irmãos pescar dourado , lambari...Morto!O restilo das usinas de cana o mataram...E hoje , depois de ver na TV tanta desgraça , leio essa cronica de alguem que o conheceu vivo,limpido com suas aguas barrentas, mas não viscosas de poluição.TRISTE!

Eduardo Borges disse...

Oi, Edmar! Eu tenho trabalhado muito e feito muito pouco do que realmente gosto. É a vida. Não consigo escrever e-mail para você. Sempre volta. Mas registro aqui, parabenizando-o pelo texto tão agudo, meus agradecimentos pelas postagens de minhas poesias. Meu blog tem a proposta básica de apenas postar o que rabisco. Eu sou péssimo neste negócio de cyber espaço. Ah!, obrigado por me revelar o paretesco com o poeta Geradol Borges, que um dia pretendo conhecer pessoalmente. Não sou uma pessoa de cultivar amizades, isto é certo. Mas estou trabalhando este meu lado hermitão. Bueno... gracias! Venga!

Anônimo disse...

Seu texto é uma imagem viva do que nos ocorreu no Piauí. Cada palavra é sentimento de amor a sua terra. E como viajei em suas linhas- Vi o rio de antigamente:amigo saudável! O de hoje, uma fúria do próprio homem... Uma boa tarde e grata por postar minha crônica. Teresa Cristina.