(Geraldo Borges)
O carro velho dava na vista de todo mundo que passava por ali
pelo meio do quarteirão da minha vizinhança. Era uma velhíssima variante
amarela, abandonada, ocupando espaço em cima de uma calçada que bem podia
servir de caminho para os transeuntes.
O velho carro tinha
uma história. Servira por muito tempo a um velho caixeiro viajante. A profissão
entrou em decadência, o carro também. A variante virou lixo e o caixeiro
viajante está aposentado.
O carro velho em
outros tempos tinha sido orgulho de seu dono e com ele, de cidade em cidade,
trabalhando educara o seu filho.
Agora estava exposto
ao sol, ao sereno, ao luar, a fúria dos elementos. Cada vez mais se deteriorava,
de tão enferrujado, não servia mais nem mesmo para aproveitar algumas peças;
era um trambolho.
O dono dele também já
estava velho, mas não queria abrir mão do traste que atravancava a calçada. E
por causa disso havia acaloradas discussões, de arrancar rabo, entre pai e filho.
O velho dono do carro velho queria que o seu velho carro permanecesse ali na
frente de sua casa para sempre até que um dia se desmanchasse no ar; coisa que
ele não ia presenciar.
E nesse cabo de guerra o tempo foi passando.
O filho tinha um carro novo em folha que contrastava com a velha
variante do seu pai. O filho dizia: esse carro velho só serve para ladrão se esconder,
cachorro mijar, grilo e sapo cantar. Alguns moleques já quebraram todos os
vidros das portas. È melhor a gente se livrar dele o quanto antes.
O velho respondia:
deixa o carro velho aí. Ele tem uma história. E não está dando trabalho a
ninguém. A discussão continuava. E o filho retrucava: está empatando as pessoas
de andarem pela calçada.
Ate que um dia passei pela porta do velho e dei por falta do
carro velho. Algum colecionador o teria comprado. Ou simplesmente fora jogado no
lixo do ferro velho?
O que eu fiquei sabendo, conversando com um vizinho, foi que,
de tanto tampo que o carro velho permanecera, na frente da casa do seu velho dono,
servira como ponto de referencia para o seu endereço. O velho carro era uma
extensão do domicilio do velho caixeiro viajante...
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