(Geraldo Borges)
Conheci a cidade ribeirinha de Amarante quando ainda era
menino. Eu vinha de Teresina e ia de férias para a propriedade rural de meu pai
que ficava abaixo da cidade de Palmerais, antigamente, chamada de Belém.
Geralmente fazíamos a nossa viagem para a
Bacaba a bordo de um vapor gaiola. Mas nesse período a navegação a vapor já estava em plena
decadência. E, por isso mesmo, meu pai bolou o seguinte plano.
Viajaríamos de carro, tipo jardineira, para a cidade de
Amarante. Saímos da Praça Saraiva, local onde ficavam os Expressos. A Estrada
era ruim, carroçável cheia de buracos, curvas perigosas.
A jardineira deu o
prego a boquinha da noite. Devido a demora para consertar o carro,
chegamos na cidade de Amarante de madrugada. A neblina cobria os telhados
dos casarios cercado de morros. Era como se tivéssemos em uma cidade
fantástica. Alguns vultos noturnos cruzavam as ruas.
Agora
íamos descer em uma canoa até a Bacaba, onde nossa mãe estava nos esperando. O
canoeiro contratado por meu pai para o serviço fluvial já estava na beira do
rio esperando por nós. Era o mês de julho, mês de férias escolares, e mês de
frio. De caburé piando, piando. Tremendo de frio entrei na canoa. Lembro-me que
não suportando o frio me agasalhei dentro de um saco de estopa daqueles de
estocar coco babaçu. O canoeiro era bem-humorado, e contou piadas para animar a
gente.
A
lua minguante refletia-se palidamente sobre as águas do Parnaíba. Lá para as
tantas, passamos rente ao morro da Arara. Aí o canoeiro falou: é aqui nesse
morro que as araras costumam fazer seus ninhos. Do lado do rio, no abismo para
dificultar aos homens a sua caça. Nunca me esqueci essa observação. Quando o
canoeiro parou de falar ouvia se apenas o bater do remo no costado da popa das
canoas que descia pelo canal caudaloso do rio daquele tempo. Não custou muito
estávamos passando rente a cidade de Palmerais.
Logo
que o sol apareceu, eu saí de dentro do saco de estopa. E ouvi meu pai dizer:
estamos chegando na fazenda Tamboril. Tamboril era uma propriedade rural de um
tio meu. Meu pai mandou o canoeiro aportar lá. Aí ordenou que eu subisse a
ribanceira do porto e fosse avisar o meu tio que preparasse um café para nós.
Dito e feito. O café tinha de tudo. Forramos o estomago até ficarmos saciados.
Chegamos
a Bacaba mais ou menos às dez horas da manhã. Esse foi o primeiro contato que
tive com a cidade de Amarante. Embora quando menino o seu nome me fosse
familiar. Pois meu pai costumava comprar rapaduras fabricadas na cidade de
Amarante para sortir o seu comércio na fazenda Bacaba.
Quando
fiquei jovem, Amarante entrou em minha vida, no meu mapa de recordações pela
voz do poeta Da Costa e Silva. Saudade asa de dor do pensamento nunca mais fez
me esquecer a cidade de Amarante.
Rugidos vãos de canaviais ao vento traziam-me o sabor de suas doces rapaduras.
Depois apareceu a figura simpática do professor Odilon
Nunes, um homem magro e bem fornido de ideias e que revolucionou a Pesquisa
história no Piauí. A Argila da memória me faz lembrar também Clovis Moura,
filho da terra amarantina. Cidade onde os rapazes se masturbam ou se apaixonam
pelos animais e o delegado apenas faz de conta.
Outra figura que emerge do rio das minhas lembranças é Luis
Ribeiro Gonçalves, personagem importante na cultura piauiense, foi aluno e Da
Costa e Silva em Amarante, onde passou a infância, e com o poeta aprendeu
confeccionar papagaio. No início do século vinte Amarante estava no auge do
mercantilismo, negociava diretamente com a Europa. Na cidade havia duas bandas de música. As
mulheres iam a missa com vestidos caros e luvas luxuosas. Cunha e Silva, meu
velho professor de história também era de Amarante. Carvalho Neto é de
Amarante. Mas tudo isso são retalhos do passado no rio do tempo.
Hoje Amarante é
uma cidade morta, ancorada à beira de um rio moribundo, berço de muitos vultos
que deixaram o fantasma da infância nos becos e ruas da cidade, no adro da
matriz e desceram o rio fugindo da aldeia em busca da metrópole.
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