domingo, 24 de julho de 2016

A RAZÃO QUE A PRÓPRIA RAZÃO DESCONHECE



desenho: Máximo


(Edmar Oliveira)

Essa semana as folhas trouxeram uma estória deliciosa acontecida na Noruega. Contam que uma senhora de 92 anos fugiu de uma casa de repouso para viver com um namorado de 87 anos.

Os responsáveis pela clínica deram por falta da senhorinha e empreenderam uma busca para tentar acha-la. Foi encontrado nas proximidades de um parque um andador abandonado, sendo uma pista da fuga. Contam que o amante a tinha visitado recentemente e esse foi o segundo elo na investigação da fuga. Sem mais detalhes, a notícia diz que a procura foi encerrada quando descobriram que ela estava morando com o namorado em Estocolmo, na Suécia. A clínica ficava nos arredores de Eidsvoll, ao norte de Oslo. Mais, as folhas não dizem. Nem a identidade dos enamorados. Nem a clínica, nem responsáveis – se haviam – recorreram ao desenlace do caso.

Me interessei em pesquisar os dados de que dispunha viajando no google maps. O andador foi encontrado num parque de Eidsvoll, que fica a 72 quilômetros de Oslo. Da provável clínica até a estação de trem tem de se caminhar dois quilômetros. O andador só foi encontrado num parque já na cidade. A velhinha andou com ele dois quilômetros? Tudo parece indicar. Deve ter ido de trem até Oslo. A viagem é feita em 35 minutos num trem moderno. Agora vem o mais inusitado: de Oslo a Estocolmo são 530 quilômetros que se pode fazer em sete horas de ônibus superconfortáveis ou cinquenta e cinco minutos de avião. Como a senhorinha terá ido?

O namorado foi busca-la em Oslo ou esperou em Estocolmo? Parece ter sido tudo muito bem combinado. Mesmo que ela tivesse alguma doença degenerativa parece que o amor tem a capacidade de curar de forma inconteste. E parece que agora na modernidade não apareceram psiquiatras para interditar um amor que só devemos aplaudir.

Lembrei-me do caso de Bárbara de Jesus que eu tive contato num livro de Magali Engels[1], quando fiz uma pesquisa para meu primeiro livro. Aconteceu no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro e não teve um final feliz.

Bárbara de Jesus, viúva de 67 anos, escandaliza a sociedade do Distrito Federal, com amplo destaque na imprensa, por querer casar com um tal de Ayres Pereira de Mello, português, também viúvo, de 52 anos. A mídia da época, contrária ao casamento, já noticiava Bárbara como octogenária e Ayres como um moço de trinta e poucos anos, aumentando o escândalo. A família de Bárbara se opõe ao casamento, por ser Ayres desempregado e temendo pelos bens de Bárbara.  Contrata Juliano Moreira e o Dr. Rego Barros para um parecer psiquiátrico, usado juridicamente, atestando que a setuagenária, apesar “de não sofrer nenhuma psicose definida, tem, por sua extrema ignorância”, uma evidente “insuficiência mental”. Após longa briga judicial, com ganhos de Bárbara em dois julgamentos, ela termina por ser interditada, de acordo com o diagnóstico pericial dos doutores psiquiátricos.

Bárbara de Jesus não teve a sorte da senhorinha norueguesa de agora. O amante sueco, bem mais velho que o nosso Aires, teve a determinação de perseguir o amor de sua vida. Os velhinhos europeus não foram vítimas de nossa douta psiquiatria, que teve no festejado Juliano Moreira um impedimento para a felicidade dos muitos mais jovens amantes brasileiros do século passado.


[1] Engels, M. “Os delírios da razão”, ed. Fiocruz, 2001




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