Fotos: Paulo Tabatinga |
(Edmar Oliveira)
Maio é um mês enrolado por conta de que eu ainda, apesar de
aposentado, tenho que me virar numas conversas sobre a Reforma Psiquiátrica.
Afinal sou um dos poucos restantes que ainda são confundidos com a própria
reforma e os meninos querem saber da era dos dinossauros. Este ano estive em
Curitiba e no Sul de Minas – Cambuí e Varginha – para trocar uns dedos de prosa.
E, mais ainda neste maio, fui convidado ao Piauí por conta de uma entrevista
para a Revestrés – revista de cultura local. Caminhos percorridos que muito me
honram. E a desculpa é muito boa de ter atrasado o Piauinauta por quase um mês.
O astronauta piauiense só baixa quando estou perdido no
espaço sideral. Com os pés na terra não posso comandar a nave. Mas já voltamos
a orbitar este planeta maluco e daqui de cima posso observar os acontecimentos.
A nave-mãe tem um rabo preso no sertão. O cordão umbilical
nas terras do Piauí. Desta vez numa passagem rápida por minha Teresina fiquei
meio cabreiro, como se diz por lá. A cidade amante não me reconheceu, deu rebanhada,
rodou a saia plissada e entrou pra dentro, como se fala das donzela que nos
desprezam.
Já falei por aqui que casei com a Cidade Maravilhosa, num
casamento harmonioso e necessário. Não sei mais viver sem ela, apesar de
maltratada pelos governantes e estar cada dia mais violenta e agressiva. Mas
tem um doce encanto nas curvas generosas que a natureza emprestou ao seu
traçado inconfundível. Por mais banguela e suja que fique a Bahia da Guanabara –
como a desprezou o francês estrutural Levi Strauss, imortalizado nos versos de
Caetano – o contorno que faz o Redentor abraçar o Pão de Açúcar é apaixonante. Não
a largo, sei disso. Mas tinha a Teresina como uma amante distante por quem fui
apaixonado na juventude. E voltava aos seus braços, vez por outra, para acalmar
uma paixão juvenil. Mas desta vez, apesar dos mimos que me fizeram os meninos
da Revestrés, a cidade não me deu bola. Me olhou de revestrés, como se nunca
tivesse me visto. Por isso também – confesso em dizê-lo – custei a voltar ao
Piauinauta. O que teria acontecido?
Nada. Folgo em sabe-lo. Descobri apenas que tenho saudade de
uma Teresina que não existe mais. Se nos orgulhávamos do adereço de ferro
fundido da velha ponde metálica que a liga ao Maranhão, hoje é enfeitada com as
luzes formosas da ponte estaiada, que relegou o adereço antigo ao ostracismo. A
bela e suas estaias, que escorrem do alto de um mirante, anunciam que a cidade
mudou pro outro lado do Rio. A zona norte, a zona sul e o centro antigo foram
abandonados e parecem uma cidade fantasma. A nova cidade atravessou o Rio Poty
para a zona leste e lá não reconheço sua geografia nem o seu povo.
Os meus antigos amigos foram embora – para outras paragens
como eu, ou para céu onde estaremos daqui a pouco. Até o Torquato que ela tanto
festeja hoje não se parece em nada com meu amigo dos loucos anos sessenta e
setenta. É um poeta pop endeusado e sacralizado numa cidade que não teve
heróis. Empalhamos o jovem poeta triste que morreu cedo. E esse simulacro “fantásmico”
não se parece ao anjo torto de então. Tristeresina. Boijardim da Noite. O
Faroesteiro da Cidade Verdes são os diversos nomes do filme “O Terror da
Vermelha” muito cultuado e pouco visto.
Tem nada não. A gente ficou velho (Torquato também) e eu já
sou estudado em teses de mestrados literários e culturais como um objeto cujo
passado não mais me pertence. Esses meninos estão dissecando um cadáver que
ainda teima em andar.
É que eu, meus companheiros e minha Teresina só existimos no
passado. Não temos o presente, que já é o futuro dos jovens que não reconheço
mais.
Acho que foi isso o que me perturbou. Tô tentando me
recompor. Desculpem o lamento, mas não queria ficar falando sozinho.
7 comentários:
É...isso acontece com a gente que está na vida por um tempo razoável.Felizmente Niterói não me passa essa nostalgia.Lá, quando chego,chega o passado também, mas o presente é tão bom que me vejo num futuro que já se aproxima,caminhando à beira da praia, de Icaraí,com a vista deslumbrante do Rio,e,na esperança que o Cristo Redentor,salve a baía de Guanabara. Lelê
Belo e emocionante texto. Carlos Nascimento.
É muito trote mesmo, Edmar! Ela, Teresina, não fugiu somente de vc; ela fugiu e foge, todos os dias, de todos nós...a vontade que dá, é de chorar!
Triste; quis dizer.
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