(Leo Almeida)
Ele passa numa elegância antiga, orgulhoso. Sabe-se lá como armou-se de coragem e enfrentou as dores na coluna, no joelho direito e na bacia. Ainda posso e devo, deve ter pensado quando saiu de casa. Munido de toda a resistência e auto-estima, caminhou por Nossa Senhora de Copacabana sem o auxílio da bengala. Senhor de si, forçando a espinha contra o céu, o olhar no horizonte de carros e gente, desfilou como há muito não fazia. Empertigado, vi...ril. Assim ele se enxergou naquele passeio no finalzinho da tarde. De longe fiquei observando o que se passava dentro dele, a alegria quase infantil de sentir-se jovem e forte, apesar das oito décadas de uso. Por fora, não via o que todos constatávamos, mancava tristemente, passos trôpegos, lentos, arrastados. Por dentro, julgava-se, um homem ainda jovem. Por fora... Era evidente que se forçava a caminhar naquele passo sem escora, sem apoio, mas isso não importava, havia um grande descompasso entre sua visão das coisas e as próprias coisas. Ele se via imbatível. Nós o víamos tão frágil. Na certa, relembrava antigos passos numa noite morna de um dezembro, em fins de 1950, cigarro no bico, perfume no pescoço, uma bossa novíssima na vitrola de algum apartamento, e a imagem do Cristo, de braços abertos na esquina da Siqueira Campos com a Toneleiros, convidando para a vida. Hoje, passeando com meu cão, percebi sua presença orgulhosa. Passou claudicante, tentando conter a tosse, pulmões fracos e distantes da nicotina. Um vendedor de discos piratas tocava um funk escabroso na calçada. Ele não ouviu, pois o aparelho auditivo já não era de grande valia. Cruzou a Barata Ribeiro, no sinal em frente ao Pavão Azul, e sumiu lentamente num pequeno edifício na Hilário de Gouveia. Nessa noite, dormiu feliz como há muito não dormia e nem lembrou que o mesmo Cristo, de braços abertos, parecia convidá-lo para curtir a lua.
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