domingo, 24 de agosto de 2014

DE SANTOS E POLÍTICOS


(Edmar Oliveira)
 
Getúlio Vargas estava quase inviabilizado politicamente e desmoralizava-se frente a metralhadora giratória do Corvo Carlos Lacerda, um beletrista competente. A direita nunca espera eleição se não tem chance de ganhar. É golpista por natureza. Intriguenta, sempre bate na corrupção, essa praga que acompanha qualquer governo, o dela também – quase sempre muito mais. O pavio curto do Anjo Negro, Gregório Fortunato, contrata uns aloprados para matar o Corvo. O atentado da Tonelero, como ficou conhecido por ter ocorrido na Rua Tonelero em Copacabana, mata Rubens Vaz – guarda-costas de Lacerda – e fere o pé do Corvo. De muletas e com o pé usado para denunciar um “covarde atentado”[1], Lacerda ganha força na oposição a Getúlio. O presidente perde todo o apoio político e vai caindo em desgraça na opinião pública.

Sairia do Palácio como um cachorro vadio com o rabo entre as pernas. O suicídio o fez sair da vida para entrar na história, como diz a sua carta-testamento, se verdadeira for. Resumo da ópera: depois de morto Getúlio provoca uma comoção popular e o pai dos pobres se torna um verdadeiro santo para fazer milagres nas preces de cada brasileiro getulista daí pra frente; provoca o milagre de recuperar o prestígio político, entrando na história como mártir; e ainda consegue o milagre político de adiar o golpe da direita por dez anos.

Não tem como não fazer um paralelo atual: é inevitável dizer que um desconhecido político do nordeste se tornou um grande líder, capaz de redimir a nação, depois de sua trágica morte. Mas não é esse o paralelo que me interessa, mas a santidade. O paralelo que aqui me interessa é com os santos, quando é exigido algum milagre ainda em vida, mas reconhecido depois de morto. E virando santo – depois de morto – passa a fazer os milagres que lhe garantem o prestígio e a nobreza do título.

Um político, semelhante ao santo, pode ficar santificado como personagem histórico depois da morte. João Pessoa, que mesmo sabido agora foi vítima de um crime passional, provocou a Revolução de 30 e deu seu feio nome à bela capital da Paraíba. O algoz da guerra do Vietnã virou um santo homem depois de seu assassinato em Dallas. Guevara virou referência até para quem não sabe nada de sua história. JK foi misteriosamente acidentado como um desenvolvimentista. O Velho Ulisses Guimarães encantou-se na baia de Angra para virar o responsável pela Constituição de 1988. Tancredo faria o melhor governo do mundo se não morresse no Hospital de Base com a faixa presidencial no peito. E por aí vai a lista dos santificados que morreram tragicamente. Quanto mais trágico, melhor figura humana era o santo.

Triste é que tem uns que recusam a santidade terminantemente: Sarney é o representante máximo destes mortos-vivos. Pode procurar em volta que há semelhantes.

Agora, é impressionante como a tragédia faz os santos e os bons políticos.




[1] Alguns historiadores veem nas pistas evidentes deixadas no atentado o dedo da oposição na trama para acuar Getúlio.

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