(Edmar Oliveira)
Getúlio Vargas estava quase inviabilizado politicamente e
desmoralizava-se frente a metralhadora giratória do Corvo Carlos Lacerda, um
beletrista competente. A direita nunca espera eleição se não tem chance de
ganhar. É golpista por natureza. Intriguenta, sempre bate na corrupção, essa
praga que acompanha qualquer governo, o dela também – quase sempre muito mais.
O pavio curto do Anjo Negro, Gregório Fortunato, contrata uns aloprados para
matar o Corvo. O atentado da Tonelero, como ficou conhecido por ter ocorrido na
Rua Tonelero em Copacabana, mata Rubens Vaz – guarda-costas de Lacerda – e fere
o pé do Corvo. De muletas e com o pé usado para denunciar um “covarde atentado”[1],
Lacerda ganha força na oposição a Getúlio. O presidente perde todo o apoio
político e vai caindo em desgraça na opinião pública.
Sairia do Palácio como um cachorro vadio com o rabo entre as
pernas. O suicídio o fez sair da vida para entrar na história, como diz a sua
carta-testamento, se verdadeira for. Resumo da ópera: depois de morto Getúlio
provoca uma comoção popular e o pai dos pobres se torna um verdadeiro santo
para fazer milagres nas preces de cada brasileiro getulista daí pra frente;
provoca o milagre de recuperar o prestígio político, entrando na história como
mártir; e ainda consegue o milagre político de adiar o golpe da direita por dez
anos.
Não tem como não fazer um paralelo atual: é inevitável dizer
que um desconhecido político do nordeste se tornou um grande líder, capaz de
redimir a nação, depois de sua trágica morte. Mas não é esse o paralelo que me
interessa, mas a santidade. O paralelo que aqui me interessa é com os santos,
quando é exigido algum milagre ainda em vida, mas reconhecido depois de morto.
E virando santo – depois de morto – passa a fazer os milagres que lhe garantem
o prestígio e a nobreza do título.
Um político, semelhante ao santo, pode ficar santificado
como personagem histórico depois da morte. João Pessoa, que mesmo sabido agora
foi vítima de um crime passional, provocou a Revolução de 30 e deu seu feio
nome à bela capital da Paraíba. O algoz da guerra do Vietnã virou um santo
homem depois de seu assassinato em Dallas. Guevara virou referência até para
quem não sabe nada de sua história. JK foi misteriosamente acidentado como um
desenvolvimentista. O Velho Ulisses Guimarães encantou-se na baia de Angra para
virar o responsável pela Constituição de 1988. Tancredo faria o melhor governo
do mundo se não morresse no Hospital de Base com a faixa presidencial no peito.
E por aí vai a lista dos santificados que morreram tragicamente. Quanto mais
trágico, melhor figura humana era o santo.
Triste é que tem uns que recusam a santidade
terminantemente: Sarney é o representante máximo destes mortos-vivos. Pode
procurar em volta que há semelhantes.
Agora, é impressionante como a tragédia faz os santos e os
bons políticos.
[1] Alguns
historiadores veem nas pistas evidentes deixadas no atentado o dedo da oposição
na trama para acuar Getúlio.
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