(Edmar Oliveira)
Depois de devorar as quase 600 páginas de “O Homem Que Amava
os Cachorros” do Leonardo Padula (Boitempo Editorial, SP, 2013) fiquei me
perguntando o que fizera do livro um best seller político mundial.
Padura, autor de livros policiais, investiga o assassinado
de Trotsky a partir da biografia de Isaac Deutscher (a trilogia: O profeta
armado, o profeta desarmado, o profeta banido), mas ao mesmo tempo (com
capítulos quase intercalados) nos faz conhecer os detalhes da preparação do
assassino a partir da biografia “Ramón Mercader, mi Hermano” (Luiz Mercader, Germán
Sánchez e Rafael Llanos, Editora Espasa Calpe, Espanha, 1990). O verdadeiro
personagem fictício do romance, Ivan – um escritor cubano fracassado, quem encontra
numa praia da ilha o homem que amava os cachorros, perde importância na trama.
Apenas serve para destacar a ilusão da revolução dentro de Cuba depois que a
União Soviética sucumbiu e o muro de Berlim selou a queda do comunismo como
ideologia que se adaptou ao modo de produção capitalista nos novos (velhos)
tempos.
A mim pareceu que a história real era mais instigante do que
um romance. Tanto que Frei Betto, na orelha do livro, adverte que o que se vai
ler é e não é uma ficção.
Diria mais: que a trama real dispensa a fantasia, que com competência o autor
inventa diálogos, gestos, sentimentos nos personagens reais (que se não
aconteceram aparecem como possíveis). Na maneira ágil da escrita de Padura, no
saber construir uma tensão de suspense reside o sucesso do romance que pode ser
lido num fôlego, apesar do tamanho.
Pelo personagem de Trotsky conhecemos que o fracasso da
Revolução estava no seu impiedoso executor, Stalin. Compreendemos a defesa da
“revolução permanente” do profeta banido e desarmado. Acompanhando Mercader
vemos as entranhas de uma Revolução sustentada por expurgos e perseguição aos
seus críticos, para manter a revolução num só país. Esses dois personagens
reais mantém a trama viva nas palavras e gestos romanescos inventados por Padula,
não perdendo o fato real, apesar dos enfeites literários. Esperava mais do
personagem fictício Ivan, que poderia ter ganho mais de “auto-ficção” do autor
com os problemas da ilha.
Mas para mim, que fui um simpatizante de Trotsky e devorei
toda sua literatura e as biografias e autobiografias, o romance de Padura não
era tão suspense e não explicava ter se tornado um best seller. Só agora –
livro digerido – posso tentar explicar o seu sucesso na esquerda.
Do meu ponto de vista o sucesso de Padura está no desconhecimento
das esquerdas com a história de Trotsky. Num mundo já distante do comunismo
real, mas que foi por nós vivido, só romanceando um personagem, como também foi
feito com o seu assassino, pode deixar a história ser mais palatável para os
que foram obrigados, na sua militância política, odiar Trotsky.
O autor confessa o seu desconhecimento da história que conta
e que foi obrigado a desconhecer. Essa revelação, no esmaecer da história do
socialismo que não conseguiu se tornar comunismo, explica o entusiasmo do autor
pela trama, capaz de tratá-la como sendo um verdadeiro romance. E explicaria
também o encantamento dos seus leitores. E eu gostei muito do livro por esse
reconhecimento do profeta, que quando estava no poder cometeu crimes bárbaros
(como o assassinato da família do czar). Mas que foi vítima do mesmo poder que
criou quando decreta uma ditadura em nome do proletariado. Mas quando banido
tentou mostrar os erros da concentração do poder na ditadura.
Aqueles homens só eram incapazes de matar cachorros...
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