domingo, 10 de agosto de 2014

HOMENS INCAPAZES DE MATAR CACHORROS


(Edmar Oliveira)
 
Depois de devorar as quase 600 páginas de “O Homem Que Amava os Cachorros” do Leonardo Padula (Boitempo Editorial, SP, 2013) fiquei me perguntando o que fizera do livro um best seller político mundial.

Padura, autor de livros policiais, investiga o assassinado de Trotsky a partir da biografia de Isaac Deutscher (a trilogia: O profeta armado, o profeta desarmado, o profeta banido), mas ao mesmo tempo (com capítulos quase intercalados) nos faz conhecer os detalhes da preparação do assassino a partir da biografia “Ramón Mercader, mi Hermano” (Luiz Mercader, Germán Sánchez e Rafael Llanos, Editora Espasa Calpe, Espanha, 1990). O verdadeiro personagem fictício do romance, Ivan – um escritor cubano fracassado, quem encontra numa praia da ilha o homem que amava os cachorros, perde importância na trama. Apenas serve para destacar a ilusão da revolução dentro de Cuba depois que a União Soviética sucumbiu e o muro de Berlim selou a queda do comunismo como ideologia que se adaptou ao modo de produção capitalista nos novos (velhos) tempos.

A mim pareceu que a história real era mais instigante do que um romance. Tanto que Frei Betto, na orelha do livro, adverte que o que se vai ler é e não é uma ficção. Diria mais: que a trama real dispensa a fantasia, que com competência o autor inventa diálogos, gestos, sentimentos nos personagens reais (que se não aconteceram aparecem como possíveis). Na maneira ágil da escrita de Padura, no saber construir uma tensão de suspense reside o sucesso do romance que pode ser lido num fôlego, apesar do tamanho.

Pelo personagem de Trotsky conhecemos que o fracasso da Revolução estava no seu impiedoso executor, Stalin. Compreendemos a defesa da “revolução permanente” do profeta banido e desarmado. Acompanhando Mercader vemos as entranhas de uma Revolução sustentada por expurgos e perseguição aos seus críticos, para manter a revolução num só país. Esses dois personagens reais mantém a trama viva nas palavras e gestos romanescos inventados por Padula, não perdendo o fato real, apesar dos enfeites literários. Esperava mais do personagem fictício Ivan, que poderia ter ganho mais de “auto-ficção” do autor com os problemas da ilha.

Mas para mim, que fui um simpatizante de Trotsky e devorei toda sua literatura e as biografias e autobiografias, o romance de Padura não era tão suspense e não explicava ter se tornado um best seller. Só agora – livro digerido – posso tentar explicar o seu sucesso na esquerda.

Do meu ponto de vista o sucesso de Padura está no desconhecimento das esquerdas com a história de Trotsky. Num mundo já distante do comunismo real, mas que foi por nós vivido, só romanceando um personagem, como também foi feito com o seu assassino, pode deixar a história ser mais palatável para os que foram obrigados, na sua militância política, odiar Trotsky.

O autor confessa o seu desconhecimento da história que conta e que foi obrigado a desconhecer. Essa revelação, no esmaecer da história do socialismo que não conseguiu se tornar comunismo, explica o entusiasmo do autor pela trama, capaz de tratá-la como sendo um verdadeiro romance. E explicaria também o encantamento dos seus leitores. E eu gostei muito do livro por esse reconhecimento do profeta, que quando estava no poder cometeu crimes bárbaros (como o assassinato da família do czar). Mas que foi vítima do mesmo poder que criou quando decreta uma ditadura em nome do proletariado. Mas quando banido tentou mostrar os erros da concentração do poder na ditadura.

Aqueles homens só eram incapazes de matar cachorros...




 

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