(Edmar Oliveira)
Com o propósito de visitar meu filho que está morando
atualmente em Caetité[1],
sul da Bahia, empreendi uma viagem pelos sertões do norte de Minas. Subi por
Sete Lagoas e Janaúba para chegar à Bahia. Depois sai de Caetité para o oeste,
em direção a Carinhanha, para topar com o Velho Chico e vim serpenteando as
suas margens, ora à direita, ora à esquerda, com direito a travessia em barcaças.
Desde que o encontrei foram horas num areal sem fim para
chegar a Manga, onde o atravessei para o lado esquerdo. Daí mais chão de terra
até Januária, a lendária cidade mineira às margens do velho Chico. Viajava com
minha velha e fomos recepcionados pelo meu amigo Daniel Magalhães, com direito
a circuito em engenhos onde se fornece a pinga para a famosa cachaça Claudionor
e as várias marcas de Januária. Compramos a pinga de cabeça direto do barril
para as garrafas pets, que no sertão passaram a ser depositárias de tudo, inclusive
o feijão de corda, já que a garrafa o livra da praga do gorgulho. Nas margens
do São Francisco comemos o melhor Surubim que já comi, pescado nas poucas águas
do rio que seca a olhos vistos, como se diz por ali.
Depois, margeando o rio, chegamos a Pirapora, cidade que já
foi a capital do sertão mineiro, quando as gaiolas singravam o velho Chico:
vapores fabricados no estrangeiro e que vinham desmontados até o trecho do rio
onde fluía a navegação: de Pirapora em Minas até Juazeiro na Bahia, em frente à
Petrolina, já em Pernambuco. Hoje ainda existe um ancorado em Pirapora[3],
que foi fabricado em 1903 no Mississipi e que ainda queima lenha em passeios turísticos.
Máquina de escrever do Rosa |
Mas o que me impressionou foi a lenta agonia do velho Chico.
Em Pirapora as corredeiras não existem mais[4].
As pedras sufocaram o rio, em vez de serem lavadas por ele. O pessoal diz que
essa é a pior seca e espera há anos por uma nova cheia, que não chega. E eu me
perguntava: - vão transpor o quê, meu Deus do céu? A água nem cabe mais no seu
leito, que mais se parece um leito de morte. Até me recordou a agonia do meu
Parnaíba.
Saímos tristes de Pirapora e quando cruzei pela segunda vez
o rio das Velhas, me lembrei que tinha me aproximado do Urucuia e estava
andando de carro no sertão em que Riobaldo tinha perdido Diadorim à cavalo nas
veredas da imaginação de Guimarães Rosa. Meu próximo porto foi Cordisburgo,
onde nasceu o grande escritor mineiro, para visitar sua casa de infância, hoje
um museu dedicado à sua obra[5].
E ali a literatura do velho Rosa se mostra tão grandiosa quanto a gruta de
Maquiné[6],
a gruta em que a natureza esculpiu o nosso Gualdi. As imagens mostram com perfeição.
Toda viagem é uma viagem também para dentro de nós.
[1]
Caetité, cidade que tem uma mina de urânio que o governo pensa em reativar.
Ironicamente os ventos locais atraíram a indústria eólica. As turbinas rodam imperceptivelmente
na paisagem de Caetité. Como curiosidade, o filho ilustre da cidade é Waldick
Soriano.
[3] O
Benjamim Guimarães com mais de cem anos de uso.
[4]
Pirapora em tupi-guarani significa “salto do peixe”. Temo também pela extinção
do surubim.
[5]
Há, em todo sertão mineiro, 95 marcos que está na obra de Guimarães Rosa. Minha
amiga Fátima Lima já fez essa invejável viagem literária pelas veredas do
sertão.
Um comentário:
Amigo Edmar, seu texto, sempre brilhante, registra justa e tamanha tristeza. Comungo com a melancolia do amigo perante a situação do Velho Chico. Valeu e muito o registro.
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