domingo, 4 de maio de 2014

o coronel e a estrada nova


(Geraldo Borges)
 
O coronel  era contra o progresso que poderia vir com a estrada nova. A construção da rodovia poderia por em risco a sua autoridade. Não iria deixar que isto acontecesse. Nada de estrada nova para o seu município. Com uma estrada nova, boa, asfaltada, o caminho ia ficar aberto para gente estranha, botando banca, querendo ser mais importante do que ele.

Que ficasse  a estrada velha, do tempo colonial, cheia de buracos, ladeiras, precipícios ao pé da serra, por onde passam ainda os tropeiros, os mascates. A estrada velha está ainda servindo muito bem. Serve desde os tempos de seu pai, de seu avô. Não precisa mudar. Para que mudar se tudo está bem para ele, sua família e os apadrinhados?

Mas, alguém proclamava. Coronel com  a estrada, tudo fica mais perto. Que perto nada, homem de Deus. Eu quero e distancia da capital. Se chegar aqui uma estrada nova nós estamos perdidos.

Perdidos por que coronel? Eu vou perder o meu lugar na praça. Eles vão tirar os meus brasões dos ombros. Eles quem coronel? Os que chegarem pela estrada. Minha família vai deixar de mandar. Com a estrada nova vem o jornal, o radio, a televisão, aí vai começar a loucura total. Pode ser. Mas sem estrada seus filhos não vão querer mais voltar aqui. Estrada nova só se for quando eu  bater as botas.

Antigamente tinha o rio, que era um dos principais meios de transporte, lento, mais seguro. Ora, caudaloso, no inverno, ora, meio seco, no verão, com suas margens assoreados, e bancos de areia  desviando o canal. O tempo  dos vapores gaiola rebocando barcas, cargas e passageiros, passou. O rio ficou praticamente abandonado. Era preciso estradas, agora, para alavancar o progresso.

O povo queria estrada. Mas o coronel dava de ombro. Mordia os beiços Não se interessava. Falava, depois de soprar a fumaça do seu cigarro de palha enrolado por ele mesmo, com as pontas dos dedos. Meu avô andava a cavalo, meu pai andava a cavalo. Eu continuo na sela de meu burro, que é mais teimoso e resistente. E não quero nenhuma estrada que passe por aqui pelo meu terreiro.

As pessoas que ansiava pelo progresso, os mais jovens, começaram a sair da cidade em busca da capital, vencendo os tropeços da estrada velha, os buracos, as curvas, os precipícios, a ponte de madeira avariada, caindo aos pedaços.

No começo o coronel achou que eram duas ou mais pessoas da oposição. Não significava nada. Mas do meio para o fim começou a ver as casas vazias, virando taperas. Mato crescendo dentro, trepadeiras parasitas subindo nos telhados. Estava ficando sozinho. Ficou sozinho,  com a mulher e os seus serviçais e outros velhos de espinha empenada e que não tinham mais horizonte.

Os filhos que estavam morando na capital nunca mais apareceram. Quando o coronel morreu, o município mandou erguer, em sua memória, uma estatua equestre, ao lado do coreto. Justamente no mesmo dia em que  a cidade inaugurou uma estrada nova.

O coronel virou folclore. E aos  pouco a cidade começou a receber novos moradores, e ser visitada por turistas, que chegavam, rápidos, pelo asfalto. Metade da cidade está em ruína, com casas geminadas, e quintais mal assombrados.

Os guias turísticos contam a história de um homem importante que não queria que  uma estrada nova chegasse a sua cidade. Mas, um belo dia, o homem morreu. E a estrada foi construída. A cidade, hoje, atrai  as pessoas que amam o progresso; mas adoram contemplar coisas velhas, caindo aos pedaços. Ruínas.

Se a estatua eqüestre do coronel pudesse ouvir e entender o que estava se passando, cairia do cavalo.

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