(Geraldo Borges)
O coronel era contra
o progresso que poderia vir com a estrada nova. A construção da rodovia poderia
por em risco a sua autoridade. Não iria deixar que isto acontecesse. Nada de
estrada nova para o seu município. Com uma estrada nova, boa, asfaltada, o
caminho ia ficar aberto para gente estranha, botando banca, querendo ser mais
importante do que ele.
Que ficasse a estrada
velha, do tempo colonial, cheia de buracos, ladeiras, precipícios ao pé da
serra, por onde passam ainda os tropeiros, os mascates. A estrada velha está
ainda servindo muito bem. Serve desde os tempos de seu pai, de seu avô. Não
precisa mudar. Para que mudar se tudo está bem para ele, sua família e os
apadrinhados?
Mas, alguém proclamava. Coronel com a estrada, tudo fica mais perto. Que perto
nada, homem de Deus. Eu quero e distancia da capital. Se chegar aqui uma
estrada nova nós estamos perdidos.
Perdidos por que coronel? Eu vou perder o meu lugar na
praça. Eles vão tirar os meus brasões dos ombros. Eles quem coronel? Os que
chegarem pela estrada. Minha família vai deixar de mandar. Com a estrada nova
vem o jornal, o radio, a televisão, aí vai começar a loucura total. Pode ser.
Mas sem estrada seus filhos não vão querer mais voltar aqui. Estrada nova só se
for quando eu bater as botas.
Antigamente tinha o rio, que era um dos principais meios de
transporte, lento, mais seguro. Ora, caudaloso, no inverno, ora, meio seco, no
verão, com suas margens assoreados, e bancos de areia desviando o canal. O tempo dos vapores gaiola rebocando barcas, cargas e
passageiros, passou. O rio ficou praticamente abandonado. Era preciso estradas,
agora, para alavancar o progresso.
O povo queria estrada. Mas o coronel dava de ombro. Mordia
os beiços Não se interessava. Falava, depois de soprar a fumaça do seu cigarro
de palha enrolado por ele mesmo, com as pontas dos dedos. Meu avô andava a
cavalo, meu pai andava a cavalo. Eu continuo na sela de meu burro, que é mais
teimoso e resistente. E não quero nenhuma estrada que passe por aqui pelo meu
terreiro.
As pessoas que ansiava pelo progresso, os mais jovens,
começaram a sair da cidade em busca da capital, vencendo os tropeços da estrada
velha, os buracos, as curvas, os precipícios, a ponte de madeira avariada,
caindo aos pedaços.
No começo o coronel achou que eram duas ou mais pessoas da
oposição. Não significava nada. Mas do meio para o fim começou a ver as casas
vazias, virando taperas. Mato crescendo dentro, trepadeiras parasitas subindo
nos telhados. Estava ficando sozinho. Ficou sozinho, com a mulher e os seus serviçais e outros
velhos de espinha empenada e que não tinham mais horizonte.
Os filhos que estavam morando na capital nunca mais
apareceram. Quando o coronel morreu, o município mandou erguer, em sua memória,
uma estatua equestre, ao lado do coreto. Justamente no mesmo dia em que a cidade inaugurou uma estrada nova.
O coronel virou folclore. E aos pouco a cidade começou a receber novos
moradores, e ser visitada por turistas, que chegavam, rápidos, pelo asfalto.
Metade da cidade está em ruína, com casas geminadas, e quintais mal assombrados.
Os guias turísticos contam a história de um homem importante
que não queria que uma estrada nova
chegasse a sua cidade. Mas, um belo dia, o homem morreu. E a estrada foi construída.
A cidade, hoje, atrai as pessoas que
amam o progresso; mas adoram contemplar coisas velhas, caindo aos pedaços.
Ruínas.
Se a estatua eqüestre do coronel pudesse ouvir e entender o
que estava se passando, cairia do cavalo.
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