domingo, 4 de maio de 2014

O VELHO CHICO E O VELHO ROSA


(Edmar Oliveira)

Com o propósito de visitar meu filho que está morando atualmente em Caetité[1], sul da Bahia, empreendi uma viagem pelos sertões do norte de Minas. Subi por Sete Lagoas e Janaúba para chegar à Bahia. Depois sai de Caetité para o oeste, em direção a Carinhanha, para topar com o Velho Chico e vim serpenteando as suas margens, ora à direita, ora à esquerda, com direito a travessia em barcaças.
Desde que o encontrei foram horas num areal sem fim para chegar a Manga, onde o atravessei para o lado esquerdo. Daí mais chão de terra até Januária, a lendária cidade mineira às margens do velho Chico. Viajava com minha velha e fomos recepcionados pelo meu amigo Daniel Magalhães, com direito a circuito em engenhos onde se fornece a pinga para a famosa cachaça Claudionor e as várias marcas de Januária. Compramos a pinga de cabeça direto do barril para as garrafas pets, que no sertão passaram a ser depositárias de tudo, inclusive o feijão de corda, já que a garrafa o livra da praga do gorgulho. Nas margens do São Francisco comemos o melhor Surubim que já comi, pescado nas poucas águas do rio que seca a olhos vistos, como se diz por ali.
Depois, margeando o rio, chegamos a Pirapora, cidade que já foi a capital do sertão mineiro, quando as gaiolas singravam o velho Chico: vapores fabricados no estrangeiro e que vinham desmontados até o trecho do rio onde fluía a navegação: de Pirapora em Minas até Juazeiro na Bahia, em frente à Petrolina, já em Pernambuco. Hoje ainda existe um ancorado em Pirapora[3], que foi fabricado em 1903 no Mississipi e que ainda queima lenha em passeios turísticos.
Máquina de escrever do Rosa
Mas o que me impressionou foi a lenta agonia do velho Chico. Em Pirapora as corredeiras não existem mais[4]. As pedras sufocaram o rio, em vez de serem lavadas por ele. O pessoal diz que essa é a pior seca e espera há anos por uma nova cheia, que não chega. E eu me perguntava: - vão transpor o quê, meu Deus do céu? A água nem cabe mais no seu leito, que mais se parece um leito de morte. Até me recordou a agonia do meu Parnaíba.
Saímos tristes de Pirapora e quando cruzei pela segunda vez o rio das Velhas, me lembrei que tinha me aproximado do Urucuia e estava andando de carro no sertão em que Riobaldo tinha perdido Diadorim à cavalo nas veredas da imaginação de Guimarães Rosa. Meu próximo porto foi Cordisburgo, onde nasceu o grande escritor mineiro, para visitar sua casa de infância, hoje um museu dedicado à sua obra[5]. E ali a literatura do velho Rosa se mostra tão grandiosa quanto a gruta de Maquiné[6], a gruta em que a natureza esculpiu o nosso Gualdi. As imagens mostram com perfeição.

Toda viagem é uma viagem também para dentro de nós.   




[1] Caetité, cidade que tem uma mina de urânio que o governo pensa em reativar. Ironicamente os ventos locais atraíram a indústria eólica. As turbinas rodam imperceptivelmente na paisagem de Caetité. Como curiosidade, o filho ilustre da cidade é Waldick Soriano.  
[3] O Benjamim Guimarães com mais de cem anos de uso.
[4] Pirapora em tupi-guarani significa “salto do peixe”. Temo também pela extinção do surubim.
[5] Há, em todo sertão mineiro, 95 marcos que está na obra de Guimarães Rosa. Minha amiga Fátima Lima já fez essa invejável viagem literária pelas veredas do sertão.
[6] Uma das referências de Rosa.
 

Gruta de Maquiné, uma das referências literárias de G Rosa
 

Um comentário:

Carlos Nascimento disse...


Amigo Edmar, seu texto, sempre brilhante, registra justa e tamanha tristeza. Comungo com a melancolia do amigo perante a situação do Velho Chico. Valeu e muito o registro.