domingo, 16 de fevereiro de 2014

A ANATOMIA DA INFLUÊNCIA


(Luíz Horácio)

A Anatomia da Influência: Literatura como Modo de Vida pode ser lido como a biografia intelectual de Harold Bloom. A infância pobre  nos tempos da Grande Depressão, a vida acadêmica onde se notabilizou devido asou grande conhecimento acerca da poesia romântica inglesa. Mas foi na Universidade de Yale que começou a desenvolver seus estudos sobre a influência. A influência como fio condutor da história da literatura. Pelo menos no quesito poesia. O recente trabalho de Bloom é também a materialização de sua  obsessão sobre a criação literária. Os primeiros sintomas apareceram com  A angústia da influência, nos anos 1970, quatro décadas e tanto se passaram e Bloom volta ao tema que o consagrou como um dos grandes críticos da  literatura.  Tenho lá minhas restrições, embora as saiba irrelevantes diante desse oceano de súditos.

A anatomia da influência traz um Bloom que não cansa de olhar para trás, a se procurar, a se repetir, vira e mexe retoma o conceito de "Angústia da influência", que, grosso modo diz o seguinte: as grandes obras da literatura não resultam de uma ideia original, de um impulso criativo. Segundo o autor, as grandes obras são os frutos (sobreviventes?) da competição com aquelas que as precederam. Aqui o grande detalhe, frutos da competição, o que é muito diferente de repetição. E o que vemos costumeiramente? A repetição justificada como  influência. Um vexame.

Como toda teoria esta também tem seus admiradores e seus detratores. Convenhamos, a obviedade perpassa a maioria das grandes teorias literárias que nos assolam. Grande parte desse status devemos creditar aos nossos “brilhantes” professores universitários. Raros conseguem contestar essas teorias, basta que tenha grife. Aproveito para uma breve digressão, paciente leitor, experimente ler uma revista literária, americana, inglesa, francesa, tanto faz. Caso encontre resenha sobre livro brasileiro pago o ingresso para você ver um jogo do Flamengo no Maracanã. Livros argentinos você encontrará.

Reflexo do nosso atraso, de nossa obediência, e desse bando de escritores sem rosto egressos das nefastas oficinas literárias. Mas fulano e sicrano fizeram oficina, você dirá. E eu respondo que seriam escritores sem as oficinas. Fim da digressão. Voltemos a Harold e seu ninho de repetições.

 Agora ele  discorre sobre vários escritores, Milton, Joyce, Dante, Shelley, Leopardi, Epicuro, Lucrécio, Whitman, Lawrence, Wordsworth, Crane, Stevens, Yeats, Blake, Cervantes, Proust, Emerson, Browning. Deixa transparecer que cita essa seleção apenas para destacar o melhor; Shakespeare, a grande influência.

Shakespeare que não mereceu sua atenção em Angústia da influência por considerá-lo acima do bem e do mal, mas em edições vindouras se corrigiria, afinal de contas existiu Marlowe.


Em noventa por cento do livro o leitor perceberá Harold Bloom num tom professoral, didático e tedioso, numa tentativa de voltar ao passado e uma ode a concorrência criativa (literária, bien sûr), todo esse esforço de modo a permitir uma “correta” degustação do produto, a literatura.

Como um dos grandes criadores e defensores do estabelecimento de cânones, Bloom não nos deixaria sem essa, e vai de indagações acerca do significado de poemas  e sua importância, até os fatores que o conduzem ou o afastam do cânone literário. Cansativo e extremamente pessoal. A chave do enigma? A competição. Tal poema é melhor, venceu seus oponentes?  Simples não concorda, cordato leitor? Simples demais. Uma teoria. Uma teoria a ser contestada. Mais uma. Estamos diante da teoria de Bloom, o que não implica servir a todos em todas as épocas e todos lugares. Precisamos ser mais exigentes. É função da grife estimular o consumo. A grife HB é auto referente.

Por falar em competição, a teoria de Harold Bloom sobre a influência  tem, no entender deste aprendiz, dívida a não prescrever com Walter Jackson Bate que publicou The Burden of the Past and the English Poet em 1970. A angústia da influência foi publicada em 1973. Quem venceu? Para quem não conhece Walter Bate....

“A anatomia da influência" , 460 páginas plenas de repetição e didatismos que conduz o leitor a um exercício de extrema paciência, embora tal comportamento não o prive do cansaço, do tédio. A angústia da influência traz o melhor de Harold Bloom, sucinto, curioso, mesmo assim não significa que seja intocável. A obviedade é uma luz opaca que nem mesmo a  minha miopia de cinco graus se deixa engambelar. Não se deixa seduzir tão facilmente, pois em meio a tanta teoria onde fica o leitor?  Harold Bloom parece conduzir o leitor, seria o procedimento correto? Antoine Compagnon nos oferece algumas indagações.

Muitas questões são levantadas a respeito da leitura, mas todas elas remetem ao problema crucial do jogo da liberdade e da imposição. Que faz do texto o leitor quando lê? E o que é que o texto lhe faz? A leitura é ativa ou passiva? Mais ativa que passiva? Ou mais passiva que ativa? Ela se desenvolve como uma conversa em que os interlocutores teriam a possibilidade de corrigir o tiro? O modelo habitual da dialética é satisfatório? O leitor deve ser concebido como um conjunto de reações individuais ou, ao contrário, como a atualização de uma competência coletiva? A imagem de um leitor em liberdade vigiada, controlado pelo texto, seria a melhor?

Roland Barthes também confere importância ao leitor.

Ao afirmar que “o texto é um tecido de citações”(Barthes:1988) que podem ter origem em outros textos, Roland Barthes desmistifica o autor como criador do texto. Ao retirar essa carga de importância do autor, Barthes elege o leitor como aquele que seria o encarregado de dar sentido ao texto no momento da leitura: “O leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino”.

Caro leitor, sei que você não gostou daquele trecho onde falo do óbvio, eu entendo sua desaprovação. Mas e agora, após Compagnon e Barthes, o sentimento permanece?

 A anatomia da influência é o retrato do egocentrismo repetitivo de Harold Bloom e ao mesmo tempo um exercício de resignação a cruel passagem do tempo. Uma abordagem  nada sutil do tempo que levou alguns de seus contemporâneos, amigos e escritores notáveis. Um lugar, um espaço, onde Cronos- o tempo objetivo, concede a Kairós – o tempo subjetivo, a honra de dirigir algumas cenas. Kairós é o tempo dos afetos, pelo visto reside aí ponto G do cânone de Bloom. Enfim, curioso mas nada ingênuo leitor, a leitura de A angústia da influência já está de bom tamanho. A anatomia será sempre excesso.





TRECHO

Esquecemos nosso próprio poder imaginativo ao nos defrontarmos com o de Shakespeare e nos tornarmos seu monumento de mármore. Talvez seja impossível decidir quem encontrou a melhor maneira de enfrentar Shakespeare: Joyce ou Milton. O grande poeta e prosista irlandês e o maior dos poetas ingleses depois de Chaucer e Shakespeare nunca diferem tanto quanto em suas lutas com Shakespeare. O agon de Milton é mais misterioso do que o de Joyce, no mínimo porque somos levados a enxergá-lo através das lentes dos poetas românticos, cujas dívidas para com Shakespeare e Milton eram praticamente iguais. O Satã de Paraíso perdido não é um mero herói-vilão jacobino; ele é um ator, e poderia ter sido interpretado tanto pela estrela da companhia de Shakespeare, Richard Burbage, quanto por Edward Alleyn, tão eminente quanto ele, pertencente à companhia de Marlowe. Joyce escreveu uma peça ibseniana, Exilados, e era ele próprio ator e cantor amador de certo talento. Mas mesmo que Adam Unparadised (Adão expulso do paraíso) tivesse sido concluída ou que a irrepresentável Sansão agonista tivesse sido de fato encenada, teríamos ficado perplexos se Milton tivesse atuado em qualquer uma das duas. É, afinal de contas, uma questão de personalidade. Joyce podia ser tímido, mas se deleitava com a companhia dos amigos. Milton, política e pessoalmente, foi ofuscado pela Restauração. Shakespeare, um ator profissional que se enquadraria no que chamamos hoje de “ator de tipos”, lamenta em um soneto ter feito papel de bufão, e evidentemente desistiu de atuar enquanto preparava a produção de Otelo e Medida por medida.






AUTOR

Nascido em Nova York, em 11 de julho de 1930, Harold Bloom é professor titular de Ciências Humanas na Universidade de Yale, e já ocupou cátedra na Universidade de Harvard. Escreveu mais de 25 livros, entre os quais Hamlet: poema ilimitadoGênioComo e por que lerShakespeare: a invenção do humanoO cânone ocidental, publicados pela Objetiva, além de O livro de J e A angústia da influência. Ganhou o prêmio McArthur, da Academia Norte-Americana de Letras e Artes, e recebeu inúmeras distinções e diplomas honorários, inclusive a Medalha de Ouro de Crítica e Belles Lettres, conferida pela mesma academia, o Prêmio Internacional da Catalunha e o Prêmio Alfonso Reyes, do México.

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