(Luíz Horácio)
A Anatomia da Influência: Literatura como
Modo de Vida pode ser
lido como a biografia intelectual de Harold Bloom. A infância pobre nos tempos da Grande Depressão, a vida
acadêmica onde se notabilizou devido asou grande conhecimento acerca da poesia
romântica inglesa. Mas foi na Universidade de Yale que começou a desenvolver
seus estudos sobre a influência. A influência como fio condutor da história da literatura.
Pelo menos no quesito poesia. O recente trabalho de Bloom é também a materialização de sua obsessão sobre a criação literária. Os
primeiros sintomas apareceram com A angústia da
influência, nos anos
1970, quatro décadas e tanto se passaram e Bloom volta ao tema que o consagrou
como um dos grandes críticos da
literatura. Tenho lá minhas
restrições, embora as saiba irrelevantes diante desse oceano de súditos.
A anatomia da influência traz um Bloom que não cansa de olhar
para trás, a se procurar, a se repetir, vira e mexe retoma o conceito de "Angústia
da influência", que,
grosso modo diz o seguinte: as grandes obras da literatura não resultam de uma ideia
original, de um impulso criativo. Segundo o autor, as grandes obras são os
frutos (sobreviventes?) da competição com aquelas que as precederam. Aqui o
grande detalhe, frutos da competição, o que é muito diferente de repetição. E o
que vemos costumeiramente? A repetição justificada como influência. Um vexame.
Como toda
teoria esta também tem seus admiradores e seus detratores. Convenhamos, a
obviedade perpassa a maioria das grandes teorias literárias que nos assolam.
Grande parte desse status devemos creditar aos nossos “brilhantes” professores
universitários. Raros conseguem contestar essas teorias, basta que tenha grife.
Aproveito para uma breve digressão, paciente leitor, experimente ler uma
revista literária, americana, inglesa, francesa, tanto faz. Caso encontre
resenha sobre livro brasileiro pago o ingresso para você ver um jogo do
Flamengo no Maracanã. Livros argentinos você encontrará.
Reflexo do
nosso atraso, de nossa obediência, e desse bando de escritores sem rosto
egressos das nefastas oficinas literárias. Mas fulano e sicrano fizeram
oficina, você dirá. E eu respondo que seriam escritores sem as oficinas. Fim da
digressão. Voltemos a Harold e seu ninho de repetições.
Agora ele
discorre sobre vários escritores, Milton, Joyce, Dante, Shelley,
Leopardi, Epicuro, Lucrécio, Whitman, Lawrence, Wordsworth, Crane, Stevens,
Yeats, Blake, Cervantes, Proust, Emerson, Browning. Deixa transparecer que cita
essa seleção apenas para destacar o melhor; Shakespeare, a grande influência.
Shakespeare
que não mereceu sua atenção em Angústia da influência por considerá-lo acima do bem e do
mal, mas em edições vindouras se corrigiria, afinal de contas existiu Marlowe.
Em noventa por
cento do livro o leitor perceberá Harold Bloom num tom professoral, didático e
tedioso, numa tentativa de voltar ao passado e uma ode a concorrência criativa (literária,
bien sûr), todo esse esforço de modo a permitir uma “correta” degustação do
produto, a literatura.
Como um dos
grandes criadores e defensores do estabelecimento de cânones, Bloom não nos
deixaria sem essa, e vai de indagações acerca do significado de poemas e sua importância, até os fatores que o
conduzem ou o afastam do cânone literário. Cansativo e extremamente pessoal. A
chave do enigma? A competição. Tal poema é melhor, venceu seus oponentes? Simples não concorda, cordato leitor? Simples
demais. Uma teoria. Uma teoria a ser contestada. Mais uma. Estamos diante da
teoria de Bloom, o que não implica servir a todos em todas as épocas e todos
lugares. Precisamos ser mais exigentes. É função da grife estimular o consumo.
A grife HB é auto referente.
Por falar em
competição, a teoria de Harold Bloom sobre a influência tem, no entender deste aprendiz, dívida a não
prescrever com Walter Jackson Bate que publicou The
Burden of the Past and the English Poet em 1970. A angústia da influência foi publicada em 1973.
Quem venceu? Para quem não conhece Walter Bate....
“A anatomia da influência" , 460 páginas plenas de
repetição e didatismos que conduz o leitor a um exercício de extrema paciência,
embora tal comportamento não o prive do cansaço, do tédio. A
angústia da influência
traz o melhor de Harold Bloom, sucinto, curioso, mesmo assim não significa que
seja intocável. A obviedade é uma luz opaca que nem mesmo a minha miopia de cinco graus se deixa
engambelar. Não se deixa seduzir tão facilmente, pois em meio a tanta teoria
onde fica o leitor? Harold Bloom parece
conduzir o leitor, seria o procedimento correto? Antoine Compagnon nos oferece
algumas indagações.
Muitas
questões são levantadas a respeito da leitura, mas todas elas remetem ao
problema crucial do jogo da liberdade e da imposição. Que faz do texto o leitor
quando lê? E o que é que o texto lhe faz? A leitura é ativa ou passiva? Mais
ativa que passiva? Ou mais passiva que ativa? Ela se desenvolve como uma
conversa em que os interlocutores teriam a possibilidade de corrigir o tiro? O
modelo habitual da dialética é satisfatório? O leitor deve ser concebido como
um conjunto de reações individuais ou, ao contrário, como a atualização de uma
competência coletiva? A imagem de um leitor em liberdade vigiada, controlado
pelo texto, seria a melhor?
Roland
Barthes também confere importância ao leitor.
Ao afirmar que “o texto é um tecido de
citações”(Barthes:1988) que podem ter origem em outros textos, Roland Barthes
desmistifica o autor como criador do texto. Ao retirar essa carga de
importância do autor, Barthes elege o leitor como aquele que seria o
encarregado de dar sentido ao texto no momento da leitura: “O leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que
nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do
texto não está em sua origem, mas no seu destino”.
Caro leitor, sei que você não gostou daquele trecho onde
falo do óbvio, eu entendo sua desaprovação. Mas e agora, após Compagnon e
Barthes, o sentimento permanece?
A anatomia da influência é o retrato do
egocentrismo repetitivo de Harold Bloom e ao mesmo tempo um exercício de
resignação a cruel passagem do tempo. Uma abordagem nada
sutil do tempo que levou alguns de seus contemporâneos, amigos e escritores
notáveis. Um lugar, um espaço, onde Cronos- o tempo objetivo, concede a Kairós
– o tempo subjetivo, a honra de dirigir algumas cenas. Kairós é o tempo dos
afetos, pelo visto reside aí ponto G do cânone de Bloom. Enfim, curioso mas
nada ingênuo leitor, a leitura de A angústia da
influência já está de
bom tamanho. A anatomia será sempre excesso.
TRECHO
Esquecemos
nosso próprio poder imaginativo ao nos defrontarmos com o de Shakespeare e nos
tornarmos seu monumento de mármore. Talvez seja impossível decidir quem
encontrou a melhor maneira de enfrentar Shakespeare: Joyce ou Milton. O grande
poeta e prosista irlandês e o maior dos poetas ingleses depois de Chaucer e
Shakespeare nunca diferem tanto quanto em suas lutas com Shakespeare. O agon
de Milton é mais
misterioso do que o de Joyce, no mínimo porque somos levados a enxergá-lo
através das lentes dos poetas românticos, cujas dívidas para com Shakespeare e
Milton eram praticamente iguais. O Satã de Paraíso perdido não é um mero herói-vilão jacobino;
ele é um ator, e poderia ter sido interpretado tanto pela estrela da companhia
de Shakespeare, Richard Burbage, quanto por Edward Alleyn, tão eminente quanto
ele, pertencente à companhia de Marlowe. Joyce escreveu uma peça ibseniana, Exilados,
e era ele próprio ator e
cantor amador de certo talento. Mas mesmo que Adam
Unparadised (Adão
expulso do paraíso) tivesse sido concluída ou que a irrepresentável Sansão
agonista tivesse sido de
fato encenada, teríamos ficado perplexos se Milton tivesse atuado em qualquer
uma das duas. É, afinal de contas, uma questão de personalidade. Joyce podia
ser tímido, mas se deleitava com a companhia dos amigos. Milton, política e
pessoalmente, foi ofuscado pela Restauração. Shakespeare, um ator profissional
que se enquadraria no que chamamos hoje de “ator de tipos”, lamenta em um
soneto ter feito papel de bufão, e evidentemente desistiu de atuar enquanto
preparava a produção de Otelo e Medida por
medida.
AUTOR
Nascido em
Nova York, em 11 de julho de 1930, Harold Bloom é professor titular de Ciências
Humanas na Universidade de Yale, e já ocupou cátedra na Universidade de
Harvard. Escreveu mais de 25 livros, entre os quais Hamlet:
poema ilimitado, Gênio, Como e
por que ler, Shakespeare:
a invenção do humano, O
cânone ocidental,
publicados pela Objetiva, além de O livro de J e A
angústia da influência.
Ganhou o prêmio McArthur, da Academia Norte-Americana de Letras e Artes, e
recebeu inúmeras distinções e diplomas honorários, inclusive a Medalha de Ouro
de Crítica e Belles Lettres, conferida pela mesma academia, o Prêmio
Internacional da Catalunha e o Prêmio Alfonso Reyes, do México.
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