Na verdade, uma das profissões
mais antigas da humanidade é a do vaqueiro. Para se expressar com mais
dignidade clássica, é a do pastor de ovelha. Tudo começa nas páginas de Bíblia,
no livro de Gêneses. Ali se registra o primeiro conflito agrário. Caim mata
Abel, que era pastor. Este exila-se em algum lugar do mundo. E a vida continua,
com outros pastores a cuidar do gado, levando o rebanho ao poço para matar a
sede.
Essa é a paisagem do Oriente. Um
dos vaqueiros mais famosos da história chamava-se Jacob, e era muito esperto,
enriqueceu cuidando do gado de seu tio,e, ainda, de quebra ficou com as suas
duas filhas, Lia e Raquel. David também foi pastor, e depois rei. E com o
tempo, por conta do cristianismo a palavra pastor tornou – se uma magnífica
metáfora. Passaram a existir pastores de alma, o que é pior, porque elas são
famintas.
Mas,
vamos sair do Oriente. E nos embrenhamos na caatinga do nordeste, onde dizem
que o vaqueiro e antes de tudo um forte, e por onde o boi passa ele passa com o
seu cavalo, quer dizer, o cavalo de seu patrão. O cavalo de fábrica como é
chamado. O vaqueiro mais conhecido das minhas leituras chama-se Fabiano. E ele,
mesmo sendo antes de tudo um forte não aguentou a vida no campo por muito
tempo. Fugiu para a cidade em busca de futuro para os seus meninos que nem
nomes tinham. Tratava-se do menino mais novo e do menino mais velho.
O
vaqueiro é um tipo singular na galeria humana nordestina, de algum modo é
diferente do resto dos agregados das fazendas. Tem certos privilégios que
vieram do tempo da colônia. Com o tempo apartando as crias a qual tem direito
pode constituir a sua própria fazenda. Pelo menos isto acontecia nos meus
tempos de menino. Posso dizer que sou neto de vaqueiro. E que tive alguns tios
que foram vaqueiros. Ainda hoje posso imaginá-los chegando em nossa casa no
interior, montados a cavalo, parecendo
uma figura medieval, com a sua o casaca de ouro de veado. Naquele tempo era de
veado mesmo. Bem curtido. Perneiras, alpercatas de couro, chapéu de barbicacho,
esporas. Eu gostava de ouvir o som das esporas.
Todo esse aparato me
impressionava. Cheguei a pensar em ser vaqueiro. Vaqueiro de meu pai. E com o
tempo, fazendo economia, e juntando as minhas crias, montaria a minha própria
fazenda. Mas os sonhos de menino não duram mais do que o calendário da
infância.
Estudando
história, já na cidade, fiquei sabendo que a origem da formação de nosso estado
vem da pecuária intensiva, é que por isso mesmo escravos eram de pouca monta,
serviam apena no âmbito doméstico. Não serviam para ser vaqueiro. Porque
vaqueiro sugere liberdade. Largos espaços e cavalgadas. Fiquei sabendo que um
vaqueiro governou o Piauí e virou visconde.
Antigamente o vaqueiro
aposentava-se pelo Funrural, instituto do governo que não existe mais. Muitos
vaqueiros se aposentam ao cair do cavalo, como inválidos.
O congresso criou uma lei reconhecendo
a profissão de vaqueiro, esta profissão tão velha como o mundo agora foi
reconhecida, juntamente, no momento em que nos parece está quase em plena
extinção, tornando-se simplesmente folclore, patrimônio cultural de uma região.
No nordeste, onde se encontra
verdadeiramente o vaqueiro típico do Brasil, as transformações econômicas e sociais
estão eliminando o vaqueiro. A agropecuária, o agro negócio, a soja tem concorrido para isso. As pequenas fazendas
ainda precisam de vaqueiro, geralmente o próprio dono. A criação intensiva
dispensa o vaqueiro tradicional, o Fabiano, aquele que curava a rês a distancia
pelo rastro. Não é mais preciso, existem veterinários, e até ar condicionado
para novilhos reprodutores. As pessoas que hoje trabalham no campo detêm uma
alta tecnologia, sabem muito mais do que arrear um cavalo.Tem gente aboiando
gado até de moto.
O nome
de vaqueiro registrado como profissão para o homem do campo, que trabalha com o
manejo do gado e que ajudou a construir os alicerces econômicos da civilização
do couro pode até ser uma justa homenagem a esses heróis anônimos do sertão. Pouco ou quase nada contribui, para a
verdadeira emancipação do homem do campo que vive à margem das estradas em
acampamentos provisórios esperando uma prometida e adiada reforma agrária. São
vaqueiros desvalidos que não estão no campo e muito menos na cidade. E como o governo
não consegue resolver o conflito entre agricultura e pecuária, cada dia um Caim
mata mais um Abel.
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foto: Vaqueiro do Vale de Canindé de Alex Galvão
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