(Luiz Horácio)
Excetuando Mário de Andrade, praticamente nunca saíu do país, e Jorge
Luís Borges, viveu na Suíça e na Espanha
a modernidade latina "sempre se deixou seduzir pela medusa
parisiense", diz Jorge Schwartz em
Fervor das Vanguardas - Arte e Literatura na América Latina. O livro de Schartz é um road movie, Brasil,
Uruguai e Argentina integram esse roteiro pelas décadas de 1920 e 1930. O
objetivo: apresentar os pontos em comum entre essas culturas. Seriam tão próximos, artisticamente bien
sûr, Tarsila do Amaral, os argentinos
Xul Solar e Horacio Coppola, o uruguaio Joaquín Torres García? Fervor das
Vanguardas -Arte e Literatura na América Latina tratará de responder. Concordar
ou não é outra conversa.
Percebe-se que o termo “vanguarda”
como o X no mapa , o sinal que identifica onde está escondido o tesouro.
E vanguarda, arguto leitor, é cada vez mais uma “peça de museu”, requer muita
escavação. E o professor, com rara delicadeza e conhecimento de causa, escava.
Escava e apresenta o resultado de seu trabalho: acima de tudo o diálogo
cultural com nossos vizinhos e a inevitável influência européia.
Apresenta Mário de Andrade, o primeiro a escrever sobre Borges em nosso
país em 1920.Junto com Borges traz à tona outro argentino, o poeta Oliverio
Girondo. No entender de Schwartz.
Girondo representava a "vanguarda no sentido mais tradicional e
histórico do termo e em praticamente todas as etapas de produção". Artista plástico além de poeta, seguia os
passos de Baudelaire. Aqui deixo a pergunta: como um vanguardista segue ou
reproduz, senão a obra as intenções de outro artista?
Sem desfazer do valor da obra, em suas variadas vertentes, mas deixemos
de lado o termo vanguarda.
Em Fervor das Vanguardas o
professor Schwartz apresenta seus estudos sobre vários artistas. O argentino
Horácio Coppola é um deles e também dos mais instigantes, capaz de explorar com
elegância e sensibilidade o construtivismo europeu e o barroco brasileiro, mais
precisamente o barroco mineiro.
Coppola tinha 105 anos ao morrer e sua obra, pelo menos na visão deste
aprendiz que visitou sua exposição Visões de Buenos Aires, no IMS do Rio de Janeiro, não pode ser dita
popular.
Luz, cedro e pedra- esculturas
de Aleijadinho. Registros feitos pelo fotógrafo Coppola em 1945, essa visitei
no IMS de São Paulo, inesquecível o contraste que se estabelece entre esses
dois momentos do fotógrafo.
Mas a fama desse argentino é resultado das fotos de Buenos Aires, sua
atenção a geometria da capital. E o vanguardista Coppola estudou na Bauhaus,
escola alemã fundada pelo arquiteto Walter Gropius. Os aspectos geométricos
destacados por Coppola resultam da escola alemã.E outra pergunta, atento
leitor, vanguarda na Bauhaus ou na utilização da sua influência via Coppola?
As fotos do argentino ilustraram com imagens do subúrbio o livro
Evaristo Carriego (1930) de Jorge Luis Borges. No primeiro livro de poemas de Borges, Fervor de
Buenos Aires (1923), a ausência de seres humanos deixa a capital com ares de
cidade fantasma. As fotos de Coppola
acentuam o aspecto de solidão, de fim, destaca alguns detalhes de Buenos
Aires dentro desse desamparo , "em
que o grande personagem é a cidade".
A
análise de Schwartz faz um contraponto com a melancolia de Borges, vê nas fotos
de Coppola
"um vínculo do olhar moderno com a
arquitetura que marcou a carreira de alguns gigantes da fotografia moderna,
como Atget, Brassaï e Kertész".
Ainda sobre Coppola ."O seu era um olhar geométrico, da cidade que
se verticaliza, um olhar moderno e antípoda ao de Borges, fixado no barrio".
Importante ressaltar, entre vários aspectos apresentados nesses belos
estudos do prof. Schwartz, é o fato de todos os vanguardistas citados não
“pecarem”pela originalidade. Seria o ônus de pertencerem a periferia artística?
O professor mostra a influência do primitivo/moderno, caracteristica
marcante das vanguardas européias no início do séc.XX. O uruguaio Joaquín
Torres Garcia é um exemplo entre os
“grandes artistas da modernidade periférica sul-americana” . O Abaporu,
de Tarsila do Amaral, é outro exemplo.
Garcia é considerado o pintor Uruguaio mais importante do
século XX, construtivista, grande parte de sua produção pode ser vista no Museu
Torres García em Montevidéu. Um
dos mais instigantes, emocionantes e ao mesmo tempo didático estudo de Fervor
das Vanguardas é sobre este pintor, escultor, escritor,desenhista e professor;
Un flâneur em Montevidéu:
La ciudad sin nombre, de Joaquín
Torres García.
Vale o livro.
Voltando ao primitivo/moderno, a leitura de Lasar Segall: um ponto de
confluência de um itinerário afro-latino-americano nos anos 1920.
“A vanguarda parisiense deu ao negro o status de modernidade, a partir
do forte impacto que representou para as artes Les Demoiselles d’Avignon
(1907), de picasso, em que pelo menos três das cinco prostitutas no famoso quadro têm como rosto máscaras africanas. Mas por
que o primitivo se converteu em sinônimo
do moderno?”
Aqui interrompo para deixar ao leitor o prazer da leitura deste
fascinante Fervor das Vanguardas-Arte e Literatura na América Latina.
Mas se até aqui este aprendiz citou quase que exclusivamente a riqueza
dos textos acerca das artes plásticas, não se deixe iludir. O livro tem mais,
muito mais e a Literatura é investigada, analisada, meticulosamente pelo
professor Schwartz. Um exemplo é Quem o Espantapájaros espanta?
Não se percebe excessos tampouco ausências na obra de Jorge Schwartz.
Que não se perceba sua omissão, curioso leitor.
TRECHO
Das várias definições que Coppola
escolheu para a fotografia, “imagema”é o conceito que melhor a representa: “Da
minha janela - vendo com ânsia e maravilha - olho o real iluminado: encontro - de um ponto de vista dado - uma imagem, por assim dizer, de meu mundo próprio”(grifos do autor). A alusão à janela pode ser no sentido mais literal
do termo, mas no sentido figurado representaria seu olhar e seu encontro com o
mundo, subjetivo através da lente da
câmera fotográfica. Esse mesmo olhar também pode atravessar, a partir de
dentro, o vidro de uma janela ou de uma porta. Vemo-lo, por exemplo, na magnífica
fotografia do Hipódromo de La Plata, praticamente inédita, com o elegante casal
que frequenta o hipódromo, de costas, vestindo os símbolos da classe abastada,
de uma época que reproduz a moda européia, olhando para fora do grande vidro. A
divisão da janela faz desse fotograma um
transparente triptíco vertical. Esse mesmo movimento, de dentro para fora,
repete-se nas luzes da cidade focalizadas a
partir de interiores, em outras
fotos de Coppola.
Um movimento contrário, ou seja, o olhar
pela janela de fora para dentro, ocorre na sequência das vitrines, cujo valor
ideológico foi magistralmente estudado por Walter Benjamin, ao analisar as
passagens de Paris, no final do século XX.
OBS: O trecho está na pg. 200 e lá
consta final do século XX.
AUTOR
Jorge Schwartz nasceu em 1944. Graduado
em estudos latino-americanos e
inglês pela Universidade Hebraica de Jerusalém, obteve mestrado e doutorado em
teoria literária e literatura comparada pela USP, onde é professor titular de
literatura hispano-americana.
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