(Edmar Oliveira)
Aconteceu. Vinte centavos foi o preço que levou multidões às
ruas. Mesmo quem marcha junto com a garotada tem dificuldade de entender o que
aconteceu. Muitos procuram as razões que fez a gota d’água transbordar. Não é
só pelos vinte centavos, concordamos. Então se procura pelas razões da marcha
desenfreada que tomou conta das ruas com palavras de ordem para todos os
gostos. Acho que a mais simbólica foi a cartolina de uma garota que dizia: “desculpem
os transtornos, estamos mudando o Brasil”. Mudar o quê. Que querem esses moços?
Ah, esses moços que eu fui!
O troco! Parece até a briga daquela música do Gonzaga: “Eu
lhe dei vinte mil réis pra tirar três e trezentos, você tem que me voltar dezessete
e setecentos”. É. Os meninos, como o velho Gonzaga, querem mais do que o troco
de dezesseis e seiscentos dos réis de ontem ou dos vinte centavos dos reais de
hoje. Mas o quê?
O Brasil cresceu, é respeitado em todo o mundo, melhorou a
distribuição de renda, uma nova classe média apareceu, o desemprego diminuiu,
então o que eles querem, perguntam os governantes atônitos.
Melhor seria entender o que eles não querem. Não querem só
que o troco seja devolvido, como também não querem esse jeito de governar. A
democracia se encerra nas eleições. Os eleitos acham que podem fazer o que quiserem
sem consultar os cidadãos. E eles querem o exercício da cidadania. E o cidadão
não quer aceitar que se faça o que se quiser em nome do povo sem falar com ele.
A prova de que o país cresceu é que se faz uma Copa de primeiro mundo. Mas o
cidadão tem transporte, segurança, saúde e educação da nação antiga
subdesenvolvida. O que era para ser orgulho, os estádios da copa, virou
escárnio. Afrontaram o cidadão sem consultar e parece que ele não queria assim.
A Copa das Confederações perdeu público para as manifestações. As remoções de
massas urbanas para que a nação desenvolvida se instale se faz sem ouvir o
cidadão que é empurrado para longe da cidadania. A reforma agrária não pode
levantar a voz para não atrapalhar o agronegócio do país exportador. Os índios
são empurrados pelas hidrelétricas que geram o progresso do Brasil em obras.
Até vão alagar a minha Palmeirais sem negociar onde fica a barragem para deixar
os quilombolas e minhas lembranças em paz. Nos estádios de futebol a gente tem
que torcer como os europeus, sem gritar palavrões e querem me colocar do lado
de um flamenguista ou vascaíno, misturando os nossos espaços de fanatismo.
Proibiram nossas bandeiras e nossas charangas. Os pedágios tomaram contas das
estradas e no Rio de Janeiro tem um pedágio urbano para dificultar o suburbano
chegar na Barra, num claro impedimento do ir e vir sem consultar os usuários.
Um político evangélico e homofóbico se tornou presidente da Comissão de
Direitos Humanos, propôs a cura gay e a Câmara Federal aprova a internação
compulsória de usuários de drogas na contramão do mundo civilizado. Para
construir aqui um país de primeiro mundo se faz alianças com políticos ladrões
e reacionários fundamentalistas ferindo o estado laico. Perdem-se anéis para
conservar os dedos no poder. E isso parece que quem está na rua não quer.
Enfim, as cidades são administradas como empresas que só favorece
o morador que produz lucro. O poder público não se importa muito com o bem
comum, com a cidadania de todos. Os governos estadual e federal aprofundam essa
forma empresarial de governar numa ânsia de colocar a nação no primeiro mundo.
As negociatas são feitas por políticos e empresários à luz do dia enriquecendo os
dois lados tirando do cidadão parte preciosa dos seus impostos, num roubo
praticado por uma classe intocável em seus privilégios. Vale tudo para que o
desenvolvimento brote. Esquecem de que partiram o país e que a sua maior parte
não usufrui desse progresso e desse primeiro mundo. E mesmo que queira participar
do progresso tem que aceitar as condições dadas. Como, a gota d’água, aumentar
as passagens além da inflação de um transporte insuficiente, precário e
sucateado para o maior lucro do Brasil rico. E é isso que eu acho que eles não
querem, que eu também não quero, e que as manifestações vão engrossar até que
os governantes e os que almejam ser eleitos descubram que o cidadão precisa de
cidadania e por isso não aceita todo esse estado de coisas e também não aceita
pagar mais esses vinte centavos. E quer agora mais que esse troco seja
devolvido. O saco encheu.
Como se trata de uma reação meio que de forma espontânea, corre-se o risco de algum aventureiro meter a mão. Estamos todos confusos ainda com o que está acontecendo. Um amigo botafoguense lembrou o Carlito Rocha: "quem não está confuso, não está bem informado".
_________________________
Minha amiga Lelê Fernandes traduz esse sentimento na sua poesia:
Revolta justa
Qualquer parecer
ainda é cedo
Pra onde vai
um vento sem direção?
Lelê
Como se trata de uma reação meio que de forma espontânea, corre-se o risco de algum aventureiro meter a mão. Estamos todos confusos ainda com o que está acontecendo. Um amigo botafoguense lembrou o Carlito Rocha: "quem não está confuso, não está bem informado".
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Minha amiga Lelê Fernandes traduz esse sentimento na sua poesia:
Revolta justa
Qualquer parecer
ainda é cedo
Pra onde vai
um vento sem direção?
Lelê
Um comentário:
Essa reflexao : "esses jovens que eu fui" enternece e apavora. A semelhanca e a diferenca. Eu nao reconheco essa inocencia politica no nosso historico. Mas isso vai se ajeitando na rua. Quero q cheguem todos daqui a um ano falando de representacao democracia..voto. E que seja um aprendizado sadio. Com pouca porrada eu espero.
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