domingo, 26 de maio de 2013

Banhos no riacho da Bacaba

Geraldo Borges
 
O riacho corria bordando o fundo do cercado  da casa de fazenda do meu pai. Tinha um pequeno lago e uma cachoeira chamada de Pedra de Amolar e o lugar onde se despejava no rio era conhecido como Boca da Barra. Era o lugar mais fundo do riacho, onde a gente pescava piaus.

Relembro um pouco o caminho que percorríamos para chegar ao local onde tomávamos banho. Logo na saída da porta de casa havia um florido pé de bogari, uma espécie de jasmim, que ainda  hoje cheira nas minhas recordações. Este caminho não existe mais, pois foi abandonado. O tempo comeu seu curso e suas  beiradas e o mato o sepultou.

Com menos de dez minutos estávamos no riacho, mesmo levando em conta as brincadeiras que fazíamos ao longo do caminho. Espantar uma rolinha, correr atrás de um  calango que, se escondia, rapidamente,  detrás de uma moita, jogar  pedras em um cameleão  que dormia  sossegado tomando banho de sol.

               Hoje tento reconstruir no papel o riacho da minha infância, ilusão. Lembro-me que ele nascia no brejo. Meu pai falava em sua cabeceira, a nascente, que para mim era um mistério. Pois eu nunca  tinha estado lá. Eu sabia que a sua água cristalina vinha de longe, era com ela que, doméstica, dentro de um pote, dentro de uma cabaça, matávamos a nossa sede. Era com ela que lavávamos os nossos cavalos.

Vejo—me chegando o riacho, tirando a roupa e tomando banho nu, éramos criança. Tibungo. A água fria  fortalecia o corpo e fazia a gente tremer o queixo nos primeiros mergulhos. A criançada inteira dava cangapé dentro d’água. Durante os invernos rigorosos o riacho transbordava e cantava alto acordando a gente de madrugada, tínhamos que deixar estiar um pouco para o riacho baixar o leito e dar condições para que pudéssemos voltar de novo a nossa alegria de ficarmos nus dentro d’água, tiritando de frio.

Hoje o riacho não é o mesmo, digo isso por que lhe fiz uma visita. Desgastou-se com a exploração de madeira  em seu entorno, e nas suas margens, com as queimadas para fazer roças. Antigamente era necessário uma  pinguela de madeira para atravessá-lo de uma margem para outra no caminho  que dividia a fazenda do meu pai com a do meu tio, hoje se passa a vau, com a água nos calcanhares. Além de não precisar de mais pinguela  tem agora uma roda d’água, tempos modernos, instalada no local do lago e da Pedra de Amolar, sem duvida o novo proprietário canaliza água para a sua moradia. Ninguém precisa mais usar lata d’água na cabeça.

Acredito que o meu riacho   continua  correndo   em minha veias, fecundando a semente das frutas silvestres que eu saboreei, às suas margens, substantivando os peixes que me alimentaram. Dando- me alegria de sentir o puxão firme no anzol. Hoje bebo água, encanada, tratada, cheia de cloro. E vivo longe do riacho de minha infância que, às vezes, me aparece em sonho, rugindo depois de uma noite de inverno em que ele toma corpo. Mas é apenas sonho, hoje ele não passa de um filete de água rasa, onde a Pedra de Amolar já não tem mais esse nome, já não existe cachoeira, e a Boca da Barra quase já não despeja água no rio Parnaíba. 
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desenho: Peder Mork Monsted, "Paisagem com ponte de tronco" em: http://joserosarioart.blogspot.com.br/2010/12/peder-mork-monsted.html

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