O riacho corria bordando o fundo
do cercado da casa de fazenda do meu
pai. Tinha um pequeno lago e uma cachoeira chamada de Pedra de Amolar e o lugar
onde se despejava no rio era conhecido como Boca da Barra. Era o lugar mais
fundo do riacho, onde a gente pescava piaus.
Relembro um pouco o caminho que
percorríamos para chegar ao local onde tomávamos banho. Logo na saída da porta
de casa havia um florido pé de bogari, uma espécie de jasmim, que ainda hoje cheira nas minhas recordações. Este
caminho não existe mais, pois foi abandonado. O tempo comeu seu curso e suas beiradas e o mato o sepultou.
Com menos de dez minutos
estávamos no riacho, mesmo levando em conta as brincadeiras que fazíamos ao
longo do caminho. Espantar uma rolinha, correr atrás de um calango que, se escondia, rapidamente, detrás de uma moita, jogar pedras em um cameleão que dormia
sossegado tomando banho de sol.
Hoje
tento reconstruir no papel o riacho da minha infância, ilusão. Lembro-me que
ele nascia no brejo. Meu pai falava em sua cabeceira, a nascente, que para mim
era um mistério. Pois eu nunca tinha
estado lá. Eu sabia que a sua água cristalina vinha de longe, era com ela que,
doméstica, dentro de um pote, dentro de uma cabaça, matávamos a nossa sede. Era
com ela que lavávamos os nossos cavalos.
Vejo—me chegando o riacho,
tirando a roupa e tomando banho nu, éramos criança. Tibungo. A água fria fortalecia o corpo e fazia a gente tremer o
queixo nos primeiros mergulhos. A criançada inteira dava cangapé dentro d’água.
Durante os invernos rigorosos o riacho transbordava e cantava alto acordando a
gente de madrugada, tínhamos que deixar estiar um pouco para o riacho baixar o
leito e dar condições para que pudéssemos voltar de novo a nossa alegria de
ficarmos nus dentro d’água, tiritando de frio.
Hoje o riacho não é o mesmo, digo
isso por que lhe fiz uma visita. Desgastou-se com a exploração de madeira em seu entorno, e nas suas margens, com as
queimadas para fazer roças. Antigamente era necessário uma pinguela de madeira para atravessá-lo de uma
margem para outra no caminho que dividia
a fazenda do meu pai com a do meu tio, hoje se passa a vau, com a água nos
calcanhares. Além de não precisar de mais pinguela tem agora uma roda d’água, tempos modernos,
instalada no local do lago e da Pedra de Amolar, sem duvida o novo proprietário
canaliza água para a sua moradia. Ninguém precisa mais usar lata d’água na
cabeça.
Acredito que o meu riacho continua
correndo em minha veias,
fecundando a semente das frutas silvestres que eu saboreei, às suas margens,
substantivando os peixes que me alimentaram. Dando- me alegria de sentir o
puxão firme no anzol. Hoje bebo água, encanada, tratada, cheia de cloro. E vivo
longe do riacho de minha infância que, às vezes, me aparece em sonho, rugindo
depois de uma noite de inverno em que ele toma corpo. Mas é apenas sonho, hoje
ele não passa de um filete de água rasa, onde a Pedra de Amolar já não tem mais
esse nome, já não existe cachoeira, e a Boca da Barra quase já não despeja água
no rio Parnaíba.
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desenho: Peder Mork Monsted, "Paisagem com ponte de tronco" em: http://joserosarioart.blogspot.com.br/2010/12/peder-mork-monsted.html
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