Luiz Horácio
“A arte de escrever com finura
consiste, de acordo com o Senhor Addison, em sentimentos que são naturais sem serem óbvios. Não pode
haver definição mais justa e mais concisa dessa arte.”
Assim
David Hume abre o ensaio Da simplicidade e do refinamento na arte de escrever.
Senhor
Addison é Joseph Addison também ensaísta e fundador de The Spectator. No texto citado por Hume, Addison
comenta o Paraíso perdido, de Milton.
É exatamente esse detalhe, sentimentos, que dá o tom aos ensaios
de A arte de escrever ensaio. Esse aspecto bastante
significativo, torna quase impossível identificar com precisão o que é objetivo
e o que é subjetivo pois ambos acabam fundindo-se numa única matéria onde a
parte principal compete ao subjetivo. Significa dizer que a emoção gerada pelo
fato é mais importante que o fato. O prosaico da vida cotidiana
na tentativa de apropriar-se das imagens transitórias do Mundo. O
filósofo torna-se um passante observador, transita entre criador e
criatura e evitando os exageros provocados pela emoção, consegue unir sensibilidade
estética com senso crítico e,
feito um cronista retrata os anseios
cotidianos. Aborda tanto os aspectos
subjetivos como os mais objetivos, como por exemplo, a questão social.
David Hume, filósofo escocês, viveu de 1711 a 1776 dedicou sua
existência aos estudos e à produção de obras “literárias”. Sua obra mais
conhecida é o Tratado da natureza humana. O que
distingue da maioria é exatamente essa preocupação sobre o que torna o humano
ainda mais humano, os sentimentos. Se possível os bons sentimentos, mas não é
bem assim. O ser humano, no entender deste aprendiz, esquece paulatinamente a
capacidade/necessidade de sentir. Principalmente no que concerne ao seu
semelhante. Colocar-se no lugar do outro? Quem sabe. Desde que o outro tenha
dinheiro, bastante dinheiro.
Os ensaios de David Hume combinam o estilo
claro e refinado com a profundidade da reflexão filosófica, provando serem
adequados ao público geral ao qual se destinavam. Como se depreende da
variedade de temas presentes nos trinta
textos de A arte de escrever ensaio .
Hume segue os passos do escritor e filósofo
francês Michel Montaigne, que, em 1580, publicou Essais, uma coleção de textos curtos e meditativos
sobre diversos assuntos. Depois de Montaigne, muitos escritores alcançaram
notoriedade como ensaístas, dentre eles Francis Bacon, Alexander Pope, Samuel
Johnson e David Hume.
Os ensaios de Hume seguem as características
mais gerais do gênero, embora se observe que, em parte deles, tal autor tenha
se preocupado com uma maior formalidade estilística e um encadeamento de ideias
que o afastassem das nefastas e cansativas digressões. Seu estilo, como
mencionado anteriormente, privilegiava a clareza e uma redação muito além do coloquial, culta porém
acessível. O autor pretendia alcançar
com os seus ensaios, o sincretismo entre
as pessoas de letras e as pessoas comuns. Diz em Da arte de escrever ensaio:
A
parcela elegante do gênero humano, que não está imersa na mera vida animal, mas
se ocupa das operações da mente, pode ser dividida em indivíduos letrados e indivíduos de convívio social.
No ensaio Da
simplicidade e do refinamento na arte de escrever, Hume defende um estilo de escrita nem
demasiadamente natural ou simples, como o das conversas informais, nem tampouco
excessivamente refinado como de alguns escritores.
Ornamento
demais é defeito em qualquer gênero de obra. Expressões incomuns, exibição
ostensiva de engenho, símiles incisivos, inflexões epigramáticas, especialmente
quando ocorrem com demasiada frequência, mais desfiguram que embelezam o
discurso. Assim como o olho, ao examinar um edifício gótico, é distraído pela
multiplicidade de ornamentos e perde o todo em virtude da atenção minuciosa que
dedica às partes, também a mente, ao estudar um trabalho abarrotado de engenho,
fica cansada e descontente com esse
esforço constante de brilhar e surpreender.
Pedro
Pimenta é o responsável pela seleção dos
ensaios deste representante do ceticismo, defensor do raciocínio lógico como
método para investigar os fenômenos físicos. Nos ensaios selecionados, o
filósofo discute temas como liberdade, casamento, amor e preconceitos. Sempre
com simplicidade e refinamento.
Por vezes a
filosofia assemelha-se aos conhecidos
panos de chão, o que estiver ao alcance é recolhido. Nada é definitivo,
transitoriedade é o seu outdor em neon. O banal vestido com a grife do
hermetismo, tentativa de alcançar relevância e reflexões “profundíssimas” sobre temas de exclusiva
competência dos integrantes desse
seleto clube.
Com Hume
não é bem assim. Felizmente. Texto acessível até mesmo a um semialfabetizado
filosoficamente como este aprendiz que ora toma seu tempo, transcendente
leitor.
O filósofo
ultrapassa as montanhas dos grandes temas metafísicos, morais e políticos. Se
bem que esses dois sempre bem afastados, ou você vai tentar me convencer que
existe moral na política, vai? Se bem que para qualquer lado que eu me vire
encontro um petista disposto a essa tarefa. Pois Hume sobe e desce. Desce às questões comezinhas,
aquelas que afetam diretamente o viver
diário, o individual e social. Coisas
que fazem audiência de Ana Maria Braga, Faustão e outros alimentadores de
idiotas, assuntos como casamento, divórcio, amor, suicídio, e “otras cositas”.
O feijão
com arroz servido em pratos de porcelana sobre toalhas de linho e talheres de
prata. Um respeito para com o leitor,
completamente fora de moda.
Borges, que
sabia de quase tudo, também sabia disso: “Supongo que la literatura es para servir
como uns especie de sueño para el hombre, quizás ajudandólo, así, a vivir en la
realidad. No hay nada en el universo que no sirva de estímulo al pensamiento”.
Será? Onde
se escondem nossos ensaístas? Os ensaístas filosóficos que quando aparecem é
para discorrer sobre Walter Benjamin? Basta. Mostrem seus talentos seguindo os
passos de Hume, Montaigne, Bacon.
Difícil? Preparem-se, Gerald
Thomas se aproxima.
Olhar para
a banalidade das questões humanas sem a pasmaceira da obviedade, arguto leitor,
pode parecer simples, mas não é. Por vezes chega ser constrangedor. Para o
leitor, para o leitor de seu porte, não àqueles tietes de Ana Braga, Fausto, Thomas et caterva.
Mas o que
vem a ser um ensaio filosófico?
Um ensaio
filosófico é um texto argumentativo em que se defende uma posição sobre um determinado
problema filosófico. Uma vez que a melhor maneira de formular um problema é
fazer uma pergunta, o objectivo de um ensaio filosófico é responder a uma
pergunta e defender essa resposta, oferecendo argumentos e refutando as
objeções.
A
definição acima parece estar completamente obsoleta pois o que mais se lê são
bobagens completamente fora desses padrões mas que fazem questão de ostentar a
placa “ensaio”.
Por
favor, leiam e releiam Hume antes de se
intitularem ensaístas.
Diante
disso, filosófico leitor, responda a
pergunta de Sartre ao final da
autobiografia As palavras:
“O que resta?”
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TRECHO
Um
ganho considerável que se tem com a filosofia é o supremo antídoto que fornece
contra a superstição e a falsa religião. Todos os outros remédios contra essa
doença pestilenta são inócuos, ou, no mínimo, incertos. O simples bom senso e a
prática do mundo, que por si sós bastam para a maioria das necessidades da
vida, são ineficazes aqui: a história e também a experiência cotidiana fornecem
exemplos de homens dotados da maior capacidade para os negócios, públicos e
privados, que passam a vida inteira escravos da mais brutal superstição. Mesmo
a alegria e a doçura, que infundem um bálsamo em todas as outras feridas, não
proporcionam remédio para veneno tão virulento, o que podemos observar
particularmente em relação ao belo sexo, o qual, embora comumente dotado desses
ricos presentes da natureza, sente esse intruso importuno empestar muitas de
suas alegrias. Uma vez, porém, que a filosofia sadia tenha se apossado da
mente, a superstição é efetivamente expulsa, e pode afirmar-se com segurança
que seu triunfo sobre esse inimigo é mais completo do que sobre a maioria dos
vícios e imperfeições que incidem sobre a natureza humana. Amor e raiva,
ambição e avareza têm sua raiz no temperamento e nas afecções, e a razão mais
sadia dificilmente consegue corrigi-los por inteiro. Mas a superstição, sendo
fundada na falsa opinião, tem de esvaecer imediatamente tão logo a verdadeira
filosofia tenha inspirado sentimentos mais justos acerca dos poderes
superiores. Aqui a disputa entre doença e remédio é mais equilibrada, e nada
pode impedir que este último prove sua eficácia, a não ser que seja falso e adulterado.
Será
supérfluo exaltar aqui os méritos da filosofia, mostrando a tendência
perniciosa daquele vício de que ela é a cura para a mente humana. O homem
supersticioso, diz Cícero, é um miserável em cada cena, em cada incidente da
vida. Mesmo o sono, que afasta todas as outras preocupações dos infelizes
mortais, dá a ele novos motivos de terror, quando examina seus sonhos e vê
nessas visões noturnas prognósticos de calamidades futuras.
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NOTA BIOGRÁFICA
Historiador, economista e filósofo escocês, nascido
nas proximidades de Edimburgo, um dos maiores expoentes da filosofia moderna,
com pensamento baseado no ceticismo positivo, considerado o fundador da escola
cética ou agnóstica de filosofia, o Empirismo, cujo princípio básico é evitar
toda hipótese não comprovável experimentalmente. Filho de pequenos
agricultores, Joseph Hume e Katherine Falconer, de acordo com o sistema de
primogenitura o filho mais velho herdou às propriedades da família e ele, de
acordo com as expectativas de sua família, deveria seguir a tradicional
carreira de advogado. Frequentou a Universidade Edimburgo (1724-1726) e por
entender advocacia muito chata, dedicou-se entusiasticamente ao estudo de
literatura e filosofia, enquanto trabalhava como comerciante. Em busca de
aprofundar esses conhecimentos, estudou na França (1734-1737) e lá escreveu seu
primeiro livro, Tratado da natureza humana, que publicou após voltar para seu
país (1739) e que o decepcionou com a fraca recepção. Com esse trabalho tentou,
sem êxito, obter a cátedra de ética em Edimburgo.
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