domingo, 12 de maio de 2013

A ARTE DE ESCREVER ENSAIO


Luiz Horácio
 
“A arte de escrever com finura consiste, de acordo com o Senhor Addison, em sentimentos que são naturais sem serem óbvios. Não pode haver definição mais justa e mais concisa dessa arte.”

Assim David Hume abre o ensaio  Da simplicidade  e do refinamento na arte de escrever.

Senhor Addison é Joseph Addison também ensaísta e fundador de The Spectator. No texto citado por Hume, Addison comenta o Paraíso perdido, de Milton.

É  exatamente esse detalhe, sentimentos,  que dá o tom aos ensaios de  A arte de escrever ensaio.  Esse aspecto bastante significativo, torna quase impossível identificar com precisão o que é objetivo e o que é subjetivo pois ambos acabam fundindo-se numa única matéria onde a parte principal compete ao subjetivo. Significa dizer que a emoção gerada pelo fato é mais importante que o fato. O prosaico da vida cotidiana na tentativa de apropriar-se das imagens transitórias do Mundo. O  filósofo torna-se um passante observador, transita entre criador e criatura e evitando os exageros provocados pela emoção, consegue unir sensibilidade estética com senso crítico e, feito um cronista  retrata os anseios cotidianos. Aborda tanto os  aspectos subjetivos como os mais objetivos, como por exemplo, a questão social.

David Hume, filósofo escocês, viveu de 1711 a 1776 dedicou sua existência aos estudos e à produção de obras “literárias”. Sua obra mais conhecida é o Tratado da natureza humana. O que distingue da maioria é exatamente essa preocupação sobre o que torna o humano ainda mais humano, os sentimentos. Se possível os bons sentimentos, mas não é bem assim. O ser humano, no entender deste aprendiz, esquece paulatinamente a capacidade/necessidade de sentir. Principalmente no que concerne ao seu semelhante. Colocar-se no lugar do outro? Quem sabe. Desde que o outro tenha dinheiro, bastante dinheiro.

Os ensaios de David Hume combinam o estilo claro e refinado com a profundidade da reflexão filosófica, provando serem adequados ao público geral ao qual se destinavam. Como se depreende da variedade de temas presentes nos trinta  textos de A arte de escrever ensaio .

Hume segue os passos do escritor e filósofo francês Michel Montaigne, que, em 1580, publicou Essais, uma coleção de textos curtos e meditativos sobre diversos assuntos. Depois de Montaigne, muitos escritores alcançaram notoriedade como ensaístas, dentre eles Francis Bacon, Alexander Pope, Samuel Johnson e David Hume.

Os ensaios de Hume seguem as características mais gerais do gênero, embora se observe que, em parte deles, tal autor tenha se preocupado com uma maior formalidade estilística e um encadeamento de ideias que o afastassem das nefastas e cansativas digressões. Seu estilo, como mencionado anteriormente, privilegiava a clareza e uma redação  muito além do coloquial, culta porém acessível.  O autor pretendia alcançar com os  seus ensaios, o sincretismo entre as pessoas de letras e as pessoas comuns. Diz em Da arte de escrever ensaio:

A parcela elegante do gênero humano, que não está imersa na mera vida animal, mas se ocupa das operações da mente, pode ser dividida em indivíduos  letrados e indivíduos de convívio social.

No ensaio Da simplicidade e do refinamento na arte de escrever, Hume defende um estilo de escrita nem demasiadamente natural ou simples, como o das conversas informais, nem tampouco excessivamente refinado como de alguns escritores.

Ornamento demais é defeito em qualquer gênero de obra. Expressões incomuns, exibição ostensiva de engenho, símiles incisivos, inflexões epigramáticas, especialmente quando ocorrem com demasiada frequência, mais desfiguram que embelezam o discurso. Assim como o olho, ao examinar um edifício gótico, é distraído pela multiplicidade de ornamentos e perde o todo em virtude da atenção minuciosa que dedica às partes, também a mente, ao estudar um trabalho abarrotado de engenho, fica cansada  e descontente com esse esforço constante de brilhar e surpreender.

Pedro Pimenta é o  responsável pela seleção dos ensaios deste representante do ceticismo, defensor do raciocínio lógico como método para investigar os fenômenos físicos. Nos ensaios selecionados, o filósofo discute temas como liberdade, casamento, amor e preconceitos. Sempre com simplicidade e refinamento.

Por vezes a filosofia assemelha-se aos conhecidos panos de chão, o que estiver ao alcance é recolhido. Nada é definitivo, transitoriedade é o seu outdor em neon. O banal vestido com a grife do hermetismo, tentativa de alcançar relevância e reflexões “profundíssimas” sobre temas de  exclusiva  competência  dos integrantes desse seleto clube.

Com Hume não é bem assim. Felizmente. Texto acessível até mesmo a um semialfabetizado filosoficamente como este aprendiz que ora toma seu tempo, transcendente leitor.

 

O filósofo ultrapassa as montanhas dos grandes temas metafísicos, morais e políticos. Se bem que esses dois sempre bem afastados, ou você vai tentar me convencer que existe moral na política, vai? Se bem que para qualquer lado que eu me vire encontro um petista disposto a essa tarefa. Pois Hume sobe e desce. Desce às questões comezinhas, aquelas  que afetam diretamente o viver diário, o  individual e social. Coisas que fazem audiência de Ana Maria Braga, Faustão e outros alimentadores de idiotas, assuntos como casamento, divórcio, amor, suicídio, e “otras cositas”.

O feijão com arroz servido em pratos de porcelana sobre toalhas de linho e talheres de prata. Um respeito  para com o leitor, completamente fora de moda.

Borges, que sabia de quase tudo, também sabia disso: “Supongo que la literatura es para servir como uns especie de sueño para el hombre, quizás ajudandólo, así, a vivir en la realidad. No hay nada en el universo que no sirva de estímulo al pensamiento”.

Será? Onde se escondem nossos ensaístas? Os ensaístas filosóficos que quando aparecem é para discorrer sobre Walter Benjamin? Basta. Mostrem seus talentos seguindo os passos de Hume, Montaigne, Bacon. Difícil? Preparem-se, Gerald Thomas se aproxima.

Olhar para a banalidade das questões humanas sem a pasmaceira da obviedade, arguto leitor, pode parecer simples, mas não é. Por vezes chega ser constrangedor. Para o leitor, para o leitor de seu porte, não àqueles tietes de Ana Braga, Fausto, Thomas et caterva.

Mas o que vem a ser um ensaio filosófico?

Um ensaio filosófico é um texto argumentativo em que se defende uma posição sobre um determinado problema filosófico. Uma vez que a melhor maneira de formular um problema é fazer uma pergunta, o objectivo de um ensaio filosófico é responder a uma pergunta e defender essa resposta, oferecendo argumentos e refutando as objeções.

A definição acima parece estar completamente obsoleta pois o que mais se lê são bobagens completamente fora desses padrões mas que fazem questão de ostentar a placa “ensaio”.

Por favor, leiam e releiam Hume antes de  se intitularem ensaístas.

Diante disso, filosófico leitor, responda  a pergunta de Sartre ao final  da autobiografia  As palavras:

“O que resta?”

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TRECHO

 

Um ganho considerável que se tem com a filosofia é o supremo antídoto que fornece contra a superstição e a falsa religião. Todos os outros remédios contra essa doença pestilenta são inócuos, ou, no mínimo, incertos. O simples bom senso e a prática do mundo, que por si sós bastam para a maioria das necessidades da vida, são ineficazes aqui: a história e também a experiência cotidiana fornecem exemplos de homens dotados da maior capacidade para os negócios, públicos e privados, que passam a vida inteira escravos da mais brutal superstição. Mesmo a alegria e a doçura, que infundem um bálsamo em todas as outras feridas, não proporcionam remédio para veneno tão virulento, o que podemos observar particularmente em relação ao belo sexo, o qual, embora comumente dotado desses ricos presentes da natureza, sente esse intruso importuno empestar muitas de suas alegrias. Uma vez, porém, que a filosofia sadia tenha se apossado da mente, a superstição é efetivamente expulsa, e pode afirmar-se com segurança que seu triunfo sobre esse inimigo é mais completo do que sobre a maioria dos vícios e imperfeições que incidem sobre a natureza humana. Amor e raiva, ambição e avareza têm sua raiz no temperamento e nas afecções, e a razão mais sadia dificilmente consegue corrigi-los por inteiro. Mas a superstição, sendo fundada na falsa opinião, tem de esvaecer imediatamente tão logo a verdadeira filosofia tenha inspirado sentimentos mais justos acerca dos poderes superiores. Aqui a disputa entre doença e remédio é mais equilibrada, e nada pode impedir que este último prove sua eficácia,  a não ser que seja falso e adulterado.

Será supérfluo exaltar aqui os méritos da filosofia, mostrando a tendência perniciosa daquele vício de que ela é a cura para a mente humana. O homem supersticioso, diz Cícero, é um miserável em cada cena, em cada incidente da vida. Mesmo o sono, que afasta todas as outras preocupações dos infelizes mortais, dá a ele novos motivos de terror, quando examina seus sonhos e vê nessas visões noturnas prognósticos de calamidades futuras.

 

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NOTA BIOGRÁFICA

 


Historiador, economista e filósofo escocês, nascido nas proximidades de Edimburgo, um dos maiores expoentes da filosofia moderna, com pensamento baseado no ceticismo positivo, considerado o fundador da escola cética ou agnóstica de filosofia, o Empirismo, cujo princípio básico é evitar toda hipótese não comprovável experimentalmente. Filho de pequenos agricultores, Joseph Hume e Katherine Falconer, de acordo com o sistema de primogenitura o filho mais velho herdou às propriedades da família e ele, de acordo com as expectativas de sua família, deveria seguir a tradicional carreira de advogado. Frequentou a Universidade Edimburgo (1724-1726) e por entender advocacia muito chata, dedicou-se entusiasticamente ao estudo de literatura e filosofia, enquanto trabalhava como comerciante. Em busca de aprofundar esses conhecimentos, estudou na França (1734-1737) e lá escreveu seu primeiro livro, Tratado da natureza humana, que publicou após voltar para seu país (1739) e que o decepcionou com a fraca recepção. Com esse trabalho tentou, sem êxito, obter a cátedra de ética em Edimburgo.

 

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