Durvalino montou uma performance no dia do lançamento do livro com a temática da loucura. Abaixo, na íntegra, o texto da performance, que o Piauinauta agradece pela homenagem. Fotos: Diana palmer)
OUVINDO VOZES – A INTERFERÊNCIA
Performance começa com DURVALINO, vestido de militar, que entra no salão carregando uma lata grande e vazia de tinta. Ele põe a lata no chão, entre as pessoas da solenidade e a platéia. Dá um chutão na lata e diz, esbravejando:
DURVALINO:
LOS ASILOS DE LOS ALIENADOS SON RECEPTÁCULOS DE
Texto de Antonin Artaud
BIDE, vestida de enfermeira vem trazendo a personagem BEATRIZ (JÉSSICA) sentada a uma cadeira de rodinhas. BIDE está séria e com cara de poucos amigos. BEATRIZ está espantada, com um ar vago e assustado.
JÉSSICA:
MEU NOME É BEATRIZ... BEATRIZ, ENTENDE? EU SOU DAQUI... EU MORO AQUI MESMO... NO ENCANTADO...
BIDE:
CALA A BOCA, MENINA.
DURVALINO:
CADÊ O PRONTUÁRIO DA PACIENTE?
BIDE mostra a prancheta com o prontuário para DURVALINO. JÉSSICA continua com um ar de espanto.
DURVALINO, lendo o prontuário:
BEATRIZ OLIVEIRA... NEGRA... LIBERTA... (para a enfermeira) VOCÊ JÁ APLICOU A MEDICAÇÃO?
BIDE:
SOSSEGA LEÃO...
DURVALINO:
NÃO PRECISAVA TANTO... NÃO PRECISAVA TANTO.
BIDE empurra a cadeira, dando uma volta com a paciente, mostrando-a para a platéia.
EDVALDO NASCIMENTO se destaca da platéia onde está e começa a tocar e a cantar. DURVALINO canta junto:
Fui internado ontem
Na cabine 103
Do hospício de Engenho de Dentro
Só comigo tinham dez
Tou doente do peito
Tou doente do coração
A minha cama já virou leito
Disseram que eu perdi a razão
Tou maluco da idéia
Guiando carro na contramão
Saí do palco, fui pra platéia
Saí da sala, fui pro porão
Música de Sérgio Sampaio
BIDE pára a cadeira de rodinhas novamente no centro, com a paciente. BIDE tira um papel do bolso do uniforme e lê.
BIDE:
"O QUE É UM AUTÊNTICO LOUCO? É UM HOMEM QUE PREFERIU FICAR LOUCO, NO SENTIDO SOCIALMENTE ACEITO,
POIS O LOUCO É O HOMEM QUE A SOCIEDADE NÃO QUER OUVIR E QUE É IMPEDIDO DE ENUNCIAR CERTAS VERDADES INTOLERÁVEIS. ASSIM, A SOCIEDADE MANDOU ESTRANGULAR NOS SEUS MANICÔMIOS TODOS AQUELES QUE QUERIA DESEMBARAÇAR-SE OU DEFENDER-SE."
Texto de Antonin Artaud
BIDE tira do bolso um bombom Sonho de Valsa e dá para JÉSSICA, que sorri, feliz, abre o bombom, morde e diz:
BEATRIZ:
QUE DELICHE... QUE DELICHE...
JÉSSICA se levanta, percebe o médico EDMAR OLIVEIRA, oferece o último pedaço do bombom para ele e repousa a cabeça em seu peito.
DURVALINO E BIDE arrancam-na do peito de EDMAR e a reconduzem à cadeira.
DURVALINO (para a platéia):
NÃO SEI SE VOCÊS PERCEBEM, MAS A GENTE ESTÁ O TEMPO INTEIRO DIZENDO ADEUS...
E REPRESENTANDO UM PAPEL. VOCÊS NÃO ACHAM? (olhando para a paciente):
E O QUE DIZER DE QUEM QUER SE LIVRAR DE UM PAPEL QUE LHE IMPINGIRAM À SUA REVELIA?
DURVALINO começa a cantar à capela:
Olha
Será que é uma estrela
Será que é comédia
Será que é mentira
Será que é loucura
A vida da atriz
E se ela mora no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim
Me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah
Vê quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Música de Edu Lobo e Chico Buarque
JÉSSICA pega a mão estendida de DURVALINO e puxa-o. DURVALINO descansa a cabeça no colo de JÉSSICA.
BIDE vê a cena e diz com ironia:
DA INCONVENIÊNCIA DE TER NASCIDO!
Título de um livro de Emil Cioran
BIDE lê novamente um texto:
A RECLUSÃO NÃO É A ÚNICA ARMA DA SOCIEDADE, E A CONSPIRAÇÃO DOS HOMENS TEM OUTROS MEIOS PARA TRIUNFAR SOBRE AS VONTADES QUE DESEJA ESMAGAR.
ALÉM DOS FEITIÇOS MENORES DOS BRUXOS DE ALDEIA, HÁ AS GRANDES SESSÕES DE ENFEITIÇAMENTO GLOBAL, DAS QUAIS PARTICIPA PERIODICAMENTE A CONSCIÊNCIA EM PÂNICO.
É ASSIM QUE AS POUCAS PESSOAS LÚCIDAS E DE BOA VONTADE QUE SE DEBATEM SOBRE A TERRA JÁ SE VIRAM,
Texto de Antonin Artaud
DURVALINO levanta-se do colo de JÉSSICA e diz:
MUITOS DOS QUE AQUI ESTÃO PRESENTES DEVEM ESTAR PENSANDO QUE ESSE ESPETÁCULO DESCAMBOU PARA A DESORDEM. ORA, MAS O QUE É A DESORDEM SE NÃO UMA VERSÃO DA ORDEM? O QUE É O MAL SE NÃO A CONDIÇÃO PARA QUE HAJA O BEM? O QUE É O FEIO SE NÃO A FACE OCULTA DO BONITO? E O QUE É A LOUCURA SE NÃO A JUSTA CAUSA DA RAZÂO?
Texto de Aderval Borges na peça teatral A Curva da Tormenta
EDVALDO NASCIMENTO canta, conclamando a todos:
Dizem que sou louco por pensar assim
Se sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
E bbbbrrrrrrrrrrrrr....
Música de Arnaldo Baptista e Rita Lee
BIDE conduz a cadeira com JÉSSICA para fora de cena.
DURVALINO:
SENHORAS E SENHORES... TÁ ENCERRADO!
Sai. E encerra.
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