quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ouvindo Vozes


Geraldo Borges


O livro Ouvindo Vozes de Edmar Oliveira vale por um doutorado e muito mais se houvesse outro nível de graduação na área de psiquiatria. Com a sua linguagem ornamentada de metáforas, e tomando como exemplo belas frases, adágios de Guimarães Rosa, ele vai modelando a sua conduta, como personagem principal de sua narrativa na luta contra o dragão oficial da burocracia do Estado e do hospício. O autor foge do academicismo vulgar e solene, esta mistura que impressiona muitos leitores da nossa republica das letras...

Seu livro é construído de vivências, do dia a dia de seu trabalho, que significa a convivência com seus pacientes, criaturas as quais ele ressuscitou dos mortos, deu vida. Muitos deles renasceram para a cidadania, após serem registrados no cartório cível, receberem nomes, adquiriram, em fim, uma identidade. O escritor Edmar Oliveira é um demiurgo, criou personagens, recriou, e deu um sentido a sua narrativa. Sem querer exagerar o seu livro pode ser considerado um romance, é uma divina comédia moderna, nela podemos encontrar círculos do purgatório, do inferno, só não do céu. Como disse o livro pode ser considerado um romance, eu o li como um romance.

Na verdade, o livro, são dois livros, dois textos, às vezes paralelos, às vezes alternados. Um é o livro oficial, onde o autor contas as pelejas que teve de enfrentar para desconstruir velhos valores e criar um projeto arejado onde seus personagens pudessem respirar melhor. Para isto se valeu da literatura de Guimarães Rosa. “Um chefe carece saber é aquilo que ele não pergunta”. Um exemplo.

O outro livro é revestido de uma linguagem mais calorosa, onde a narrativa toma fôlego, onde se vai apalpando o resultado do projeto, onde as rosas desabrocham no meio dos espinhos. Nesta parte do texto o autor fica mais desabotoado, e interage muito bem com os seus personagens recriando todo um universo ficcional derivado de fatos concretos. Os personagens vão aparecendo e contado a sua história, que começa com os traumas, sua chegada ao hospício, e depois a fase de superação, a moradia individualizada, podemos de dizer a porta a travessia, uma conquista. Como se fosse etapas de um romance. Este movimento gira em torno do personagem principal do livro, o próprio autor, que atua como um mentor dos outros personagens, uma espécie de arquétipo de narrativa.

A leitura do livro do Edmar Oliveira me emocionou, é para isto que os livros servem, para desnudar o leitor, mas a fora o livro inteiro, destaco dois textos, que mais me impressionaram, o primeiro: Seu João Barbeiro, quase um tipo. Não fosse a sua vida acima da normal. O texto é rico em pormenores e extrapola para muitas possibilidades criativas. É uma crônica com gosto e tempero de conto. Este texto está à altura de qualquer página antológica da literatura brasileira. .

O segundo, o último texto, Posfácio é o coroamento do livro, e mostra a maestria do autor em escrever o final de seu romance: um sonho. Todos os personagens aparecem vivendo o seu sonho, inclusive o autor, que termina a sua narrativa neste termos.” E esse sonho não aconteceu no começo nem no final, mas enquanto acontecia... Durante a travessia.”

Habituado a ler mais ficção do que ensaio. Dando mais importância ao humanismo das personagens, aos seus defeitos, do que aos conceitos filosóficos, e considerando as metáforas trampolim para saltos no imponderável, li Ouvindo Vozes, como se lê um romance.

E para terminar os meus comentários, uma ressalva. Já que o livro não tem nada de acadêmico eu dispensaria as Notas. Mas já que as Notas acompanham o livro deveriam ter notificados outros autores, como o próprio Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José Limeira, Orlando Tejo, e mesmo os mitos, como Sisifo, personagens como Riobaldo, Diadorim e muitas outras gentes que povoam o livro O que reafirmo, é que o texto de Edmar Oliveira é tão bom e oportuna para se repensar o mundo neste milênio conturbado de loucas travessias. Nota dez.

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O Livro será lançado no Clube dos Diários, dia 21 de outubro, às 19 horas. De 22 a 25 o Piauinauta participará da Semana Cultural de Oeiras. Isso pode atrasar a próxima edição. Desculpem.

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