quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ouvindo Vozes

1000TON

Ando ouvindo muitas vozes, e isso está me deixando bastante angustiado. São vozes vindas, assim, não sei, meio que saindo de um altofalante daqueles que tem em praça pública de cidade do interior, uma voz metálica...

Compre, olhe

Vire e mexa

Talvez no embrulho


Compre, olheVocê ache o que precisa

Vire e mexa

Não custa nada

Só lhe custa a vida

Só lhe custa a vida

Só lhe custa a vida...

Os muros caíram, não existe mais a direita, nem a esquerda. Os mercados se autorregulam. A competitividade e a livre concorrência são princípios básicos e saudáveis da economia liberal, meu filho, explica-me o Doutor. Darwin já nos alertava sobre isso quando publicou a sua famosa teoria da evolução das espécies. Vence sempre o melhor, o mais qualificado, meu filho, o mais competitivo, (Putz! Eu acho essa palavra tão escrota!). Mas eu fico quieto, os remédios que o doutor passou pra mim estão me deixando mais calmo, e ele me empresta uns livros legais. Agora, por exemplo, ele me apresentou a Foucault.

E eu descobri que a gente aprende tanta coisa errada na escola, sabe? Tem tanta coisa que a medicina não explica direito e tem tanta gente que vai pra prisão sem merecer, eu acho. A gente se prende a tanta coisa inútil... Esse cara, o Foucault, abre a cabeça da gente, eu experimentei uma sensação de liberdade muito intensa , sabia?

Eu acho que tem que deixar as coisas fluírem mesmo, eu ouço muito falar em desregulamentação do mercado e eu acho certo, sacou? As pessoas têm que ter liberdade de escolha, ou não ?

Agora, tem um cara internado aqui com a gente, o Amaro, um barbudão, que fala umas coisas meio estranhas. Os médicos davam muito remédio pra ele. Ele gritava que o capitalismo tinha que acabar, ficava agitado. Outro dia ele me chamou pra conversar e estava falando que não deviam ser totalmente abolidos, aqui do hospital, os choques elétricos e a lobotomia.

Mas como? Eu perguntei. E ele disse que esses tratamentos são extremamente necessários em casos especiais, como o desses banqueiros que continuam cobrando juros escorchantes e continuam a acumular riquezas incalculáveis, serviria também para esses donos de empresas, elas se fundem com outras, acumulando lucros altíssimos e demitem em massa. E esses mega-especuladores nessa jogatina desenfreada nas bolsas?

Ele se empolgou, começou a falar mais alto, aí eu disse pra ele falar mais baixo, senão os enfermeiros iam incomodar a gente, levei ele prum canto e continuou: Qual o tratamento mais adequado para esses parasitas? Só pode ser esse! Se o tratamento não der certo, esses loucos varridos deveriam ser sumariamente varridos do mapa. Eu fingi que concordava e ele ficou mais calmo.

E eu rio muito com outro parceiro nosso, o Farelo. O apelido dele é esse porque ele tem tanta caspa e a pele dele é toda descamada, sacanagem do pessoal, né? Acho que ele é crente, quando ouve o Amaro fazendo os discursos dele, diz assim: Jesus está chamando! Clamemos por justiça! Os favelados, o morro todo vai sair nas ruas, qualquer dia desses aí, o povo vai fazer uma grande passeata, até a catedral do céu!

Mas tem uma coisa que o Amaro falou, que realmente achei certo: é o caso dessas contas secretas nos paraísos fiscais. São contas que não se podem abrir? São dinheiros que vão e vêm, pra lá e pra cá, sem nenhuma satisfação a prestar a ninguém, é meu e pronto, faço o que quiser com ele? Também assim é demais.

Acho que isso tem que acabar mesmo.

Ah! O Doutor está chegando, ele veio me examinar e trouxe um jornal pra mim, hoje é dia 15 de setembro de 2009, e eu leio na manchete:

“QUEBRA DO LEHMAN BROTHERS FAZ HOJE UM ANO

”. O doutor dá um tapinha no meu ombro e me diz:

“Depois você lê com calma e vai perceber que tudo, tudo já vai entrar novamente nos eixos, foi só um susto...Mas, e você? Como vai indo, tudo bem? “

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