(Edmar Oliveira)
Lembro bem. Primeiros anos da segunda metade do século
passado. Éramos um bando de garotos na sombra de uma mangueira na porta da
minha casa (Rua Campos Sales, 1898) tentando adivinhar o que tinha acontecido
no Brasil na data correspondente ao número da casa em frente, do outro lado da
rua. Um número próximo ao da minha casa. Se era o ano da Lei Áurea, da
Proclamação da República ou da Batalha Naval do Riachuelo. Eu sabia todas as
datas, bom aluno de história que sempre fui. Mas tinha um grande problema para
resolver. Não via a placa da casa em frente, só um borrão azul com algo escrito
em branco que não tinha qualquer nitidez. Ali descobria porque assistia aula na
primeira fila e via filmes perto da tela. Eu era um deficiente visual. Fui
levado ao oculista e descobriram que eu tinha miopia. Passei a usar óculos daí
em diante. Meus inseparáveis óculos para o resto da vida, disse o doutor.
E nunca tive problemas com meu assessório, de modos que não
entendi a revolta do Herbert Vianna com a música “eu não nasci de óculos” para
justificar uma cirurgia que corrigiu sua miopia. Não me interessei, gostava dos
meus óculos. Às vezes até me descobria tomando banho com eles.
Fiquei incomodado quando passei a ter que tirar os óculos
para ler. Perguntei o motivo a um oftalmologista amigo meu, já que eu sempre li
com meus óculos de míope. “Depois de uma certa idade” – respondeu o meu irônico
amigo – “só quem fica duro é o cristalino”. Entendi que o cristalino tinha uma
flexibilidade de adaptar o foco para a leitura que ele estava perdendo, embora
eu ainda não precisasse de comprimidos azuis aventados na hipótese irônica do
meu amigo. Mas entendi também que a flexibilidade ia diminuindo e a rigidez
aumentando quando tive que usar óculos para leitura. Nunca me adaptei
aos multifocais, de modo que tinha de carregar óculos para perto e outro para
longe.
Contudo a minha visão foi amarelando, precisando de mais
graus e o minha atual oftalmologista indicou uma cirurgia de cartara. Tira-se o velho
cristalino opacificado que é substituído por uma lente artificial e flexível. A cirurgia é simples, quase ambulatorial e você vai
para casa menos de uma hora depois. Segue-se um pós-operatório complicado com
uma série de movimentos que você não pode fazer. Mas tirando o tempo de se
fazer nos dois olhos em períodos diferentes, é uma operação simples.
Fantástico é você descobrir que não precisa mais de óculos.
As lentes levam os graus como se fossem óculos embutidos nos seus olhos. Velho,
redescubro a alegria da visão sem precisar de óculos. Como um menino saí por aí
vendo o realçar das cores e das formas que já tinha perdido. Tenho até que pedir ao Gervásio um novo desenho para o Piauinauta. Leio livros, vejo
filmes, trabalho no computador sem problemas.
O problema são as manias de velho. Vez por outra me pego
procurando um óculos que não mais preciso. Ou pior, tento tirar um óculos que
não existe quando vou dormir...
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Crônica dedicada a Durvalino e Chicão, companheiros da aventura de estar no mundo.
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Crônica dedicada a Durvalino e Chicão, companheiros da aventura de estar no mundo.
3 comentários:
Que boa leitura... chega a acalmar o Brasil. Acalmar o mundo. Obrigada.
Eu uso óculos! Fomos vizinhos, eu morava na Barroso 999 norte, a um quarteirão e meio da Campos Sales
Muito legal. Leitura leve e muito relacionada com esse condutor de dois óculos. Estou vivendo a sua fase anterior.
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