domingo, 22 de março de 2015

RIO DE JANEIRO, MARÇO DE 1964/51 anos depois

(Edmar Oliveira)
desenho de 1000TON

Tenho o privilégio de viver o Rio de Janeiro em dois seguimentos extremos. Trabalho numa comunidade carente, onde a bolsa-família é a possibilidade de vida de algumas famílias miseráveis; o seguro-desemprego é bastante usado por trabalhadores desqualificados e efêmeros; os precários apartamentos da “Minha Casa, Minha Vida” o sonho da moradia definitiva de muitas famílias; o crack e a loló circulam na desesperança dos desenganados; a UPP, um policiamento odiento que sempre está contra os moradores da comunidade. 

Por outro lado resido na zona sul convivendo com a elite desta cidade, que apresenta um comportamento odiento contra o governo; tem no PT o bando de canalhas que roubaram o país e que é a desgraça da crise em que vivemos; o impeachment da presidente é pedido em todos os bares entre canecas de chope; a violência tem de ser contida com mais polícia e pena de morte para os excluídos; “só nesse país se aguenta tamanho absurdo”, declaram na esperança de uma marcha que mobilizou um milhão contra os desmandos; falam mal do Brasil por tudo e se comportam no exterior com o rabo entre as pernas num claro complexo de vira-lata.

Me preocupo com os desvalidos nos cortes que o governo faz nos programas sociais e não gosto dos ajustes, sendo por isso um crítico de um governo que acho inoperante e incompetente. Me preocupa nos segundos a arquitetura de um golpe como a elite civil apoiou em 64.

Os primeiros são os mesmo para quem as reformas de base não vieram em 64. Os segundos a representação do udenismo golpista, que apesar de não ser maioria tenta impor suas ideias no grito, a golpe e a galope. Tem um Lacerda em cada bar da zona sul. Outro dia, uns espécimes desta fauna comemoravam a greve dos camioneiros para tirar “essa gente” do poder. Eu, que sou crítico da apropriação dos esquemas de corrupção pelo PT, fico surpreendido com o ódio dirigido a “essa gente” como se eles tivessem a “ousadia” de roubar como as elites sempre fizeram. Mas a companhia d”essa gente” nos esquemas que sempre foram usuais lhes é insuportável. Não defendo nenhum ladrão e acho que todos devem pagar na justiça o crime  cometido e no caso de desvio do dinheiro público defendo que devia ser considerado crime hediondo. Mas arrisco a pensar, que para essa elite, há um preconceito de classe com os ladrões. Eles (essa gente petralhas e sindicalista) foram muito longe. E, impressionante!, quando vem a calmaria, entre chopes se confessa o suborno a um policial como a coisa mais natural do mundo. Acho que foi criado o mesmo pensamento que derrubou Jango.

Hoje a diferença é que não há qualquer ator competente para assumir a insatisfação (porque há e é legítima) com o governo Dilma. Os militares parecem que não querem montar neste cavalo selado, ainda ressabiados com a queda da ditadura de cinquenta anos atrás. Há impaciência com o processo democrático seguir o seu curso. Já vivi governos bem piores que o atual.  

Mas os Lacerdas estão dominando o discurso atual na cidade partida, sem se importar com os desvalidos e mais: acham que quem está em programa social não tem direito a voto, como se recontando os votos (excluindo os assistidos) o Aécio seria declarado presidente deles.

Tomara que seja só um revoar de corvos...
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foto de Marcelo de Franceschini






Um comentário:

Anônimo disse...

É um alívio quando leio um texto como o seu,Edmar,porque expressa tudo o que muitos de nós sentimos e não conseguimos expressar. Há além de tudo o que você citou, um patrulhamento às avessas, e como não temos o que defender, ficamos com uma sensação de impotência enorme. Vivendo aqui em São Paulo, e morando na zona sul também,essa atmosfera fica quase irrespirável. Vem daí, meu pedido da volta do Excluídos Urbanos, também como necessidade de expressão de paixões possíveis num âmbito maior. As questões sociais precisam estar acima das quesões partidárias como um exercício de amor. Talvez o Excluídos urbanos seja um canal para sensibilizar corações.

Lelê