(Léo Almeida)
(sob o prisma de Bandeira e Cabral)
Quero cantar os passos matinais
de minha prole, de meus irmãos,
desses meus espelhos fraturados
- sou seu pai, seu filho -
louvar seus pés decididos, suas
mãos
suas unhas com esmalte barato
copulando óleo e carvão
seus calos, rugas, flores murchas
seus olhares destemidamente
apavorados
tão carentes e tão senhores de si
nessa manhã fria de novembro.
Saudar os rostos sérios, os
bocejos,
o hálito de quem mastiga o mal dos
dias
o cansaço estampado na expressão de
sono
que invade meu caminho nesta
epifania.
Sou eu naquele par de sujos tênis
naquela saia de brim desbotado
na farda de vigilantes e policiais
são minhas as costas onde se apóia
aquela mochila
com livros, carnês e marmita fria
É meu o ombro que suporta o mundo,
sim
pois assim deve ser.
É minha a mão calejada que arrasta
uma criança
É meu o estômago de quem não se
alimentou nesta manhã
e as dores de quem veio em pé no
coletivo lotado
no metrô, nos trens, nas vans, nas
bicicletas.
Sou eu, eu que mal dormi
e corro atrasado para empacotar
margarinas
repor mercadoria num supermercado.
É minha a teta flácida na boca do
menino
e é minha aquela boca ávida na teta
flácida
Eu quem tosse, espirra, fuma e
cospe
carpindo um dia que parece não ter
fim
neste seu começo.
Eu quem chuta a lata de cerveja na
calçada
quem morre sozinho na periferia
quem sonha e quem se desespera
São meus os dentes cariados que
sorriem
E que mastigam a média no bar da
esquina.
Eu sou o outro que me olha e que me
instiga.
...
Perdoa, poeta, mas não. Definitivamente,
não.
Não são galos que compõem uma manhã
Não, não são.
São homens, a urbana prole,
que tecem, em sua marcha, esta e
todas as manhãs
com seus fios de esperança e
desencanto
e seus gestos de homens costurando
o dia.
Ou será que essa manhã fria de
novembro,
com sua melancolia e bruma,
tece um novo homem em mim?
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