domingo, 21 de julho de 2013

Poema maior



(Léo Almeida)
(sob o prisma de Bandeira e Cabral)

 

Quero cantar os passos matinais
de minha prole, de meus irmãos,
desses meus espelhos fraturados
- sou seu pai, seu filho -
louvar seus pés decididos, suas mãos
suas unhas com esmalte barato
copulando óleo e carvão
seus calos, rugas, flores murchas
seus olhares destemidamente apavorados
tão carentes e tão senhores de si
nessa manhã fria de novembro.
Saudar os rostos sérios, os bocejos,
o hálito de quem mastiga o mal dos dias
o cansaço estampado na expressão de sono
que invade meu caminho nesta epifania.
Sou eu naquele par de sujos tênis
naquela saia de brim desbotado
na farda de vigilantes e policiais
são minhas as costas onde se apóia aquela mochila
com livros, carnês e marmita fria
É meu o ombro que suporta o mundo, sim
pois assim deve ser.
É minha a mão calejada que arrasta uma criança
É meu o estômago de quem não se alimentou nesta manhã
e as dores de quem veio em pé no coletivo lotado
no metrô, nos trens, nas vans, nas bicicletas.
Sou eu, eu que mal dormi
e corro atrasado para empacotar margarinas
repor mercadoria num supermercado.
É minha a teta flácida na boca do menino
e é minha aquela boca ávida na teta flácida
Eu quem tosse, espirra, fuma e cospe
carpindo um dia que parece não ter fim
neste seu começo.
Eu quem chuta a lata de cerveja na calçada
quem morre sozinho na periferia
quem sonha e quem se desespera
São meus os dentes cariados que sorriem
E que mastigam a média no bar da esquina.
Eu sou o outro que me olha e que me instiga.
...
Perdoa, poeta, mas não. Definitivamente, não.
Não são galos que compõem uma manhã
Não, não são.
São homens, a urbana prole,
que tecem, em sua marcha, esta e todas as manhãs
com seus fios de esperança e desencanto
e seus gestos de homens costurando o dia.
Ou será que essa manhã fria de novembro,
 com sua melancolia e bruma,
tece um novo homem em mim?

 

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