domingo, 8 de julho de 2012

DA PRÓXIMA VEZ QUE EU FOR A BRASÍLIA...


Edmar Oliveira

Toda vez que vou a Brasília eu volto com uma sensação de vazio. Tudo é imenso, amplo, anguloso. Nem me incomoda o que incomoda os nativos: adoro a claridade do céu, a secura do ar não me coça o nariz, o barro vermelho sangue acho bonito e mais bonito ainda é o cinza seco do serrado ser transformado em flor aos primeiros pingos da chuva. Os monumentos: a catedral, os três poderes, o JK, o teatro, a ponte, a torre, o conjunto ministerial esverdeado com o parlamento ao fundo em um sol de tarde. A alvorada presidencial. Tudo é lindo. Mas volto vazio.

Nada de Brasília é carregável. Não há saudades. Parece que tudo aquilo só pode estar naquele lugar: um presidente bossa nova, um arquiteto delirante e um paisagista apaixonado fizeram uma cidade encantada. É essa a palavra: encantada. E por encanto ninguém anda nas ruas, não há calçadas, não há esquinas, não está previsto o encontro casual. Ele pode se dar nos eventos, mas aí já sabemos que o encontro não é casual. É marcado. Os grandes eixos, assim chamados, são dos automóveis. Brasília é uma cidade dos automóveis. São muito poucos outros veículos. Não há coletivos para o encontro. Há sim, o coletivo de poetas onde o encontro marcado é bacana e a plêiade inevitável. Um açougue que vende livros e corta a carne nos versos é sensacional. O açougue abre a noite para distribuir palavras, lidas ou cantadas. E conhecemos pessoas interessantes, juntadas aos quilos pelo açougueiro que pendura cultura nos ganchos do frigorifico.

No domingo em que vinha embora, um jato me acordou quebrando a barreira do som e os meus sonhos. No dia seguinte li que foram estilhaçados, no barulho do mirage militar, os vidros do Supremo Tribunal de Justiça e várias vidraças do palácio do planalto quebraram. Só faltou atingir o Legislativo (aí cairiam as torres gêmeas para delírio do país). Não havia ninguém nas ruas para contar o que acontecera. Pensei que tinha sonhado. Só soube nos jornais quando cheguei ao Rio.

É tudo vazio e tão lento. Não se podem tomar decisões num lugar assim. Ou não se sabe o que acontece por muito tempo. Fiquei com a sensação que Brasília é um Inhotim do Goiás. Um instituto de arte contemporânea a céu aberto. Bonito. Mas não para o que foi feita.

Não consigo mudar de opinião toda vez que conheço Brasília. Fica pra próxima. A flor do cerrado eu sempre trago...  

5 comentários:

João de Deus "Netto" disse...

Clarice Lispector teve menos compaixão:
"(…) Brasília foi construída sem lugar para ratos. Toda uma parte nossa, a pior, exatamente a que tem horror de ratos, essa parte não tem lugar em Brasília. Eles quiseram negar que a gente não presta. Construções com espaço calculado para as nuvens. O inferno me entende melhor. Mas os ratos, todos muito grandes, estão invadindo.
Essa é uma manchete nos jornais".

A escritora esqueceu de enfatizar que os votos de todo o país alimentam os porões dos poderes das ratazanas que assolam o "eixo" e desgraçam o entorno de Brasília.

zeferino disse...

Companheiro Edmar, desculpe a intimidade, mas eu morei quase trinta anos em Brasília e depois de tres anos aqui em Campo Maior, acho que criei coragem de rever aquilo lá pra ver os filhos que lá deixei e outras pessoas que se me reverem eu não vou ficar triste nem alegre, assim como a cidade que me viu chegar lá no início dos anos 80, com uma mulher e duas crianças pequenas... Saí de lá no final de 2008 com a mesma sensação de vazio que vc. sente quando sai de lá... Aquilo lá não é terra de gente, diria nosso coração nordestino, aquilo lá é terra de ninguém, saí de lá com a sensação de quem nem a família que tive lá era mais minha ou tinha a ver comigo... Um deserto que eu vou rever mesmo só pra me convencer de que os anos ali passado foram mais desterro do que outra coisa...

zeferino disse...

Eu vi, caro Netto de Deus, nos anos ali passado, todo tipo de rato que se possa imaginar, diariamente andava ora pelos subterrâneos do Conic ora do Congresso Nacional... Rato, tudo rato, é o que mais tem naquela cidade...

Anônimo disse...

Acho que o que sentimos por um lugar está ligado à relação que tivemos ou temos com ele, Edmar. Amo esta cidade e entendo este vazio e o "cheio". Um dia, lá atrás, corri com os cães no cerrado, uma experiência pra vida toda.

Lelê

guidoheleno.wordpress.com disse...

O Climério sempre me repassa e eu viajo no Piauinauta.
Cara, da próxima vez que vier a Brasília, procure encontrar a cidade em alguma esquina.
Há muito tempo, quando eu escrevia no Seção de Turismo do Correio Braziliense, um dos intrevistados, já entendor de Brasília disse: "Para conhecer Brasília, um dia é bom, dois dias é muito, um mês é pouco."
Abrações,
Guido Heleno