A literatura japonesa
reflete o país, nada de homogeneidade. Variada a sociedade, variada a
literatura. Resutado: uma produção
extremamente criativa e surpreendente.
Uma literatura que
durante muito tempo parecia fechada, restrita às questões japonesas, ou caso
prefira, orientais. Nos anos 80/90 o
Japão se aproximou de e outros países da Europa e dos Estados Unidos.
Atualmente os escritores japoneses parecem mais próximos dos ocidentais do que
dos escritores asiáticos. Mas muito mais próximos dos americanos. Alguns
escritores japoneses relutam a essa aproximação, mais por razões políticas que estéticas ou exclusivamente
literárias. Diante disso convém colocarmos a literatura japonesa na estante da
literatura mundial, não exclusivamente japonesa.
Bastante
peculiar,profissionalizada, impulsionada por um número nada modesto de prêmios literários. Resultado: autores de grande produção, sem prejuízo da
qualidade, e um número grande, maior que muitos países europeus, de escritores
que vivem da literatura.
Disse que a literatura
japonesa deve ser vista como literatura mundial e um dos aspectos a comprovar
diz respeito a conquista de dois prêmios Nobel: Kawabata em 1968 e Kenzaburô Oê
em 1994.
Outro aspecto curioso,
principalmente em se tratando de Japão, diz respeito ao grande número de
escritoras a vencer os mais prestigiosos prêmios literários. Miri Yû, Kaori
Ekuni, Yôko Ogawa, Eimi Yamada, Mariko Ozaki, espero que chegue logo ao Brasil,
Hiromi Kawakami.
A maioria dos títulos das autoras acima permanece
inédita em língua portuguesa e, por apreciar significativamente a literatura
japonesa a partir dos anos 80, os li em edições francesas.
Aqui neste espaço
tratarei de A
valise do professor,
de Hiromi Kawakami, autora também do excelente Quinquilharias Nakano- Estação Liberdade,2010.
Falei em prêmios
anteriormente e A
valise do professor
conquistou um dos mais significativos em seu país, o Prêmio Tanizaki.
Hiromi apresenta uma
prosa fragmentada, mas, por mais estranho que isso possa parecer, objetiva.
Nada é supérfluo, embora delicado e simples, em A valise do professor.
Simples por se ocupar
do dia a dia, da rotina, de um casal de solitários, delicado por valorizar os
detalhes.
Não me alinho a trupe
que enxerga “literaturas”, a masculina, a feminina, a negra, a gay,no entanto a
delicadeza que exala do texto de Hiromi, devo admitir, é uma delicadeza
feminina.
As autoras citadas
anteriormente podem ser “rotuladas”de pós feministas, sem que isso implique
qualquer movimento, apenas se diferenciam do feminismo histórico e do feminismo
político. Elas conservam o individualismo e retratam, contestam, o mundo cada
uma a seu modo.
Em A valise do
professor o
leitor estabelecerá um suave confronto com o vazio, o vazio fruto da solidão.
Mas se for para dizer
que se trata de uma literatura feminista, favor acrescentar “diferente.”
Tsukiko,
quase 38 anos, mistura o real e o imaginado, lembranças e reflexões. De
repente encontra com Harutsuma, seu professor de ensino médio, e passam a se
encontrar para beber no bar
de Satoru. O relacionamento é burocrático, frio. Assim, com suilezas,
Hiromi começa a mostrar costumes de seu Japão. Tsukiko e Harutsuma são dois
seres solitários e temerosos de abandonar tal status.O professor, vale
ressaltar, bem mais velho que sua ex-aluna. Aqui a diferença de idade não chega
a ser um problema visto que solidão não costuma fazer distinção.
“Continuei atrás dele contando as estrelas.
Na décima quinta chegamos à rua onde nos separaríamos.
Tchau, acenei e, virando-se, ele repetiu
tchau. Eu o segui com os olhos e depois continuei andando até em casa.
No caminho contei vinte e duas estrelas, incluindo as pequenas.”
O começo da relação é tenso, ao mesmo tempo
frio logo descobrem pontos comuns, a culinária. Várias vezes coincidem seus
pedidos no bar de Satoru.
Entre eles não há compromisso algum e às
vezes desaparecem um para o outro, mas voltam a se encontrar, sempre por obra
do acaso.
Um tipo de relação aparentemente segura,
livre de riscos de dependência,paixões e possíveis amores. Certo? Errado.
Tsukiko, não vou atestar a paixão, passa a sentir algo mais forte pelo maduro
professor. Sempre em companhia de sua valise.
A relação entre o professor, metódico,
ríspido, seco e Tsukiko, doce, delicada,
um tanto intempestiva, é de uma riqueza incomum. Incomum porque simples,
incomum porque não é fácil contar uma história simples e ao mesmo tempo
profunda e repleto de significados. Além do panorama do Japão, hábitos,
costumes, que Hiromi oferece ao leitor.
“Afinal, minha vida é apenas isso. Andar
sozinha por um caminho misterioso de uma ilha desconhecida, perdida de seu
acompanhante, o professor, que eu acreditava conhecer, mas que de fato é para
mim uma incógnita. Em uma situação assim, o jeito é ir beber. Dizem que as
especialidades da ilha são os polvos, os haliotes e os grandes camarões. Vou
comer montanhas de haliotes.”
Volte ao começo deste
texto, indispensável leitor, repare que este aprendiz citou dois Prêmios Nobel,
e agora me atrevo a anunciar para breve, muito breve, o terceiro: Haruki
Murakami. Pode cobrar.
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