domingo, 8 de julho de 2012

A valise do professor

Luiz Horácio


A literatura japonesa reflete o país, nada de homogeneidade. Variada a sociedade, variada a literatura. Resutado: uma produção  extremamente criativa e surpreendente.

Uma literatura que durante muito tempo parecia fechada, restrita às questões japonesas, ou caso prefira, orientais. Nos anos 80/90 o  Japão se aproximou de e outros países da Europa e dos Estados Unidos. Atualmente os escritores japoneses parecem mais próximos dos ocidentais do que dos escritores asiáticos. Mas muito mais próximos dos americanos. Alguns escritores japoneses relutam a essa aproximação, mais por razões  políticas que estéticas ou exclusivamente literárias. Diante disso convém colocarmos a literatura japonesa na estante da literatura mundial, não exclusivamente japonesa.

Bastante peculiar,profissionalizada, impulsionada por um número nada modesto  de prêmios literários. Resultado:  autores de grande produção, sem prejuízo da qualidade, e um número grande, maior que muitos países europeus, de escritores que vivem da literatura.

Disse que a literatura japonesa deve ser vista como literatura mundial e um dos aspectos a comprovar diz respeito a conquista de dois prêmios Nobel: Kawabata em 1968 e Kenzaburô Oê em 1994.

Outro aspecto curioso, principalmente em se tratando de Japão, diz respeito ao grande número de escritoras a vencer os mais prestigiosos prêmios literários. Miri Yû, Kaori Ekuni, Yôko Ogawa, Eimi Yamada, Mariko Ozaki, espero que chegue logo ao Brasil, Hiromi Kawakami.

A maioria  dos títulos das autoras acima permanece inédita em língua portuguesa e, por apreciar significativamente a literatura japonesa a partir dos anos 80, os li em edições francesas.

Aqui neste espaço tratarei de A valise do professor, de Hiromi Kawakami, autora também do excelente Quinquilharias  Nakano- Estação Liberdade,2010.

Falei em prêmios anteriormente e A valise do professor conquistou um dos mais significativos em seu país, o Prêmio Tanizaki.

Hiromi apresenta uma prosa fragmentada, mas, por mais estranho que isso possa parecer, objetiva. Nada é supérfluo, embora delicado e simples, em A valise do professor.

Simples por se ocupar do dia a dia, da rotina, de um casal de solitários, delicado por valorizar os detalhes.

Não me alinho a trupe que enxerga “literaturas”, a masculina, a feminina, a negra, a gay,no entanto a delicadeza que exala do texto de Hiromi, devo admitir, é uma delicadeza feminina.

As autoras citadas anteriormente podem ser “rotuladas”de pós feministas, sem que isso implique qualquer movimento, apenas se diferenciam do feminismo histórico e do feminismo político. Elas conservam o individualismo e retratam, contestam, o mundo cada uma a seu modo.

Em A valise do professor o leitor estabelecerá um suave confronto com o vazio, o vazio fruto da solidão.

Mas se for para dizer que se trata de uma literatura feminista, favor acrescentar “diferente.” 

Tsukiko,  quase 38 anos, mistura o real e o imaginado, lembranças e reflexões. De repente encontra com Harutsuma, seu professor de ensino médio, e passam a se encontrar    para beber no bar de Satoru.  O relacionamento é burocrático, frio. Assim, com suilezas, Hiromi começa a mostrar costumes de seu Japão. Tsukiko e Harutsuma são dois seres solitários e temerosos de abandonar tal status.O professor, vale ressaltar, bem mais velho que sua ex-aluna. Aqui a diferença de idade não chega a ser um problema visto que solidão não costuma fazer distinção. 

“Continuei atrás dele contando as estrelas. Na décima quinta chegamos à rua onde nos separaríamos.
Tchau, acenei e, virando-se, ele repetiu tchau. Eu o segui com os olhos e depois continuei andando até em casa. No caminho contei vinte e duas estrelas, incluindo as pequenas.”  

O começo da relação é tenso, ao mesmo tempo frio logo descobrem pontos comuns, a culinária. Várias vezes coincidem seus pedidos no bar de Satoru.

Entre eles não há compromisso algum e às vezes desaparecem um para o outro, mas voltam a se encontrar, sempre por obra do acaso.

Um tipo de relação aparentemente segura, livre de riscos de dependência,paixões e possíveis amores. Certo? Errado. Tsukiko, não vou atestar a paixão, passa a sentir algo mais forte pelo maduro professor. Sempre em companhia de sua valise.

A relação entre o professor, metódico, ríspido, seco e  Tsukiko, doce, delicada, um tanto intempestiva, é de uma riqueza incomum. Incomum porque simples, incomum porque não é fácil contar uma história simples e ao mesmo tempo profunda e repleto de significados. Além do panorama do Japão, hábitos, costumes, que Hiromi oferece ao leitor.

“Afinal, minha vida é apenas isso. Andar sozinha por um caminho misterioso de uma ilha desconhecida, perdida de seu acompanhante, o professor, que eu acreditava conhecer, mas que de fato é para mim uma incógnita. Em uma situação assim, o jeito é ir beber. Dizem que as especialidades da ilha são os polvos, os haliotes e os grandes camarões. Vou comer montanhas de haliotes.” 

Volte ao começo deste texto, indispensável leitor, repare que este aprendiz citou dois Prêmios Nobel, e agora me atrevo a anunciar para breve, muito breve, o terceiro: Haruki Murakami. Pode cobrar.

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