domingo, 9 de outubro de 2011

VIAGEM AO PASSADO II

Edmar Oliveira
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O velho na rede procurou com um olhar inútil os visitantes que desciam do carro. Nos “abancamos”, no jeito de dizer sertanejo, nas cadeiras que esperavam visitantes, que ao sentar puxavam a prosa depois de um “bom dia”, abençoado na saudação “Deus seja louvado”. Explicamos, eu e meu companheiro Geraldo, que fazíamos uma viagem ao passado. Já estávamos velhos, mas nascemos, os dois, naquelas paragens. Naquela estrada que ia dar em Palmeirais e voltava na mesma pisada, já que no nosso tempo não tinha a estrada que saia para Amarante.

O velho da rede nos procurou com o olhar inútil. Notamos que não nos enxergava. Mas foi só começar a prosa que a memória do velho enxergava muito melhor que seus olhos cansados. Quando soube quem eu era, quase me fez tomar a benção por ser tio da minha mãe, isto é, o Valmir Soares, como se chamava, era meu tio avô. Nascera e se criara ali fazia quase um século. Fora umas viagens a Palmeirais, que agora eram mais freqüentes por conta de uma fisioterapia, e algumas outras a Teresina, seu mundo era o Casteliano dos Palmeirais, ali com sua igrejinha de São João, que eu conhecera criança. Aquele pátio enorme, na frente do casarão que via as notícias chegarem nos caminhões e carros que ali paravam por um dedo de prosa com tio Valmir e um copo d’água fria com um café adoçado que servia aos passageiros de sua vida. Dona Neuza, esposa do Valmir, entrou na prosa lá da sala, onde fazia as unhas, e dizia que meu avô Sessé botou o nome de uma neta de Neuza em sua homenagem. Procurei na revelação desnecessária por uma ponta de ciúmes que dona Neuza fazia em Valmir. Ele mudou de assunto e dizia que mesmo aquela vida absolutamente repetida passara com uma velocidade maior que a do pau-de-arara, que já se acabara. Ficamos em silêncio por um tempo.

Outra vez na estrada foi a vez de Geraldo ficar muito animado com o reconhecimento da paisagem. Passamos por uma ponte o riacho dos Negros. Logo estávamos num povoado do mesmo nome. Paramos o carro numa sombra de um cajueiro, na frente de uma casa, que tinha um telefone público, onde um velho tentava fazer uma ligação. Achei o velho forte e corado parecido com um irmão do Geraldo que morava em Teresina. Fui descendo e perguntando: “o senhor é um Borges?”. Como ele confirmou, desconfiado por não me conhecer, atalhei: “pois eu trago outro Borges para falar com o senhor.” Quando ele reconheceu Geraldo foram abraços afetuosos de dois primos que não se viam há muito tempo. Proseamos, sentados em cadeiras de macarrão (tipo de plástico que só se usa no Piauí) e eu fiquei ouvindo o Geraldo perguntar por familiares. Quando falou o nome de uma tia, eu li o nome da escola municipal que coincidia com o nome de quem eles estavam falando.

Conversa boa, mas tínhamos que ir. Geraldo queria fotografar a casa em que nasceu na Bacaba. Só que ficava na outra margem do rio, no Maranhão (é que por conta dos caminhos da época, Geraldo foi registrado num cartório de Palmeirais. Daí sermos conterrâneos. O rio não nos separava. Ele nos une). O primo ensinou onde sairíamos da estrada para a beira do rio. Se déssemos sorte um canoeiro nos levaria à Bacaba.

Mesmo em baixa velocidade quase passamos do lugar da entrada: Bacabinha, referência à Bacaba do outro lado do rio. Como o portão estava aberto, fomos entrando. Chegamos ao pátio de uma casa grande, com barco na garagem, mas vazia. Ninguém. Caminhamos até a margem do rio. O canoeiro não estava, mas avistamos a casa do outro lado e fizemos fotografias. Geraldo nasceu do lado de lá, olhando o rio do lado de cá. Já se passara muita água desde aquele tempo, não Geraldo?

Voltamos à estrada e, mais adiante, li numa placa “Parada Barreirinha”. Me contaram que eu nasci em Barreirinhas, bem perto de Palmeirais. Fiz um retorno no carro e batemos palmas na cancela. Um menino veio correndo e nos recebeu muito bem. Nos levou lá dentro e chamou o pai, que também foi muito simpático. Contou que comprara as terras recentemente. Mas sabia do casarão na beira do rio que fora um comércio há muito tempo. Geraldo observou que as casas antes eram na beira do rio, o elo de ligação, a estrada fluvial da época. Com o abandono do rio e a construção da estrada, as casas saíram da margem do rio para a margem da estrada. Não dei a sorte do Geraldo. A casa em que nasci não existia mais porque o rio deixou de ter sua importância no transporte. Sempre soube que aquele rio é quem me levava. Sai meio que escondendo uma lágrima e entramos no carro, agora já muito perto de Palmeirais...

Como avisei antes, essa história para ser publicada no blog tem de ser dividida em capítulos. A novela continua na próxima edição.  
FOTOS: Edmar: o rio, a casa da Bacaba. A margem de lá, Geraldo. A margem de cá Barreirinhas. O rio nos une.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá meu irmão,
Eu fui o único filho dos sete, que nasceu em Teresina, mas minha infância e adolescência, percorreiram diversas vezes essa estrada para Palmeirais, e olha que me traz muitas lembranças. Aguardo ancioso o próximo capítulo.
Moisés Oliveira.

Ribamar Rodrigues disse...

Cadeiras de macarrão! Na minha casa tinha. Já fui em Cabeceiras da Bacaba. Passava uns quatros dias eu abria o blog. Nada de capítulo novo. Mas é uma delicia. Eu sou mas urbana, de próximo o cemitério São José, Teresina. Mesmo ja estando em Sampa, agora em brasília sempre seri de Teresina. Esperando o proximo seu Edmar. Fuiiiiiii

Anônimo disse...

Oh....Primo!!! Tão bom ter um Blog como este...que a gente se encontra!!! Sentimo-nos não como uma formiguinha no meu do mar, mas como todos nós sempre a conversar.... Maravilha o segundo capítulo!!! Estou de olho no terceiro...Gde abraço. Ronério Ribeiro.

zemauro ribeiro disse...

Edmar velho de guerra,Parnarama e Palmeirais,são lugares que nos unem pelo Parnaiba...a casa da Bacaba é como o "olho de um farol" brilhando nas noites longínquas dos meus desassossegos infanto juvenis!
Continue a nos brindar com seus cap. no blog.
Zemauro