Já não existe o trem de ferro. A Maria Fumaça que gritava no sertão calou a boca, apagou o fogo. A máquina à diesel moderna também envelheceu no abandono de nossas ferrovias. E as cidades e vilas na sua linha de dormentes adormeceram no esquecimento. Aquele trem que chegava ao meio dia em Codó, vindo de Teresina com destino a São Luís, só queima lenha e solta o fogo nas minhas lembranças.
E eu ali na estação, de calças curtas, esperando o trem ansioso. Eu e ele nos sacolejávamos na impaciência. A dele de chegar, a minha de esperar. Mala de papelão endurecido com os fechos de alumínio brilhantes e pegador de ferro vermelho fosco. Dentro da mala minhas roupas e os desejos de chegar a São Luís. Ia sozinho. Minha mãe ia até a estação me levar. E se o trem atrasasse um pouco, ela comprava a passagem e me deixava já sozinho esperando o trem que tantas vezes já me levara ao litoral. É que ela tinha que voltar para abrir a loja depois do almoço. Eu já almoçado e na certeza de saber embarcar, na garantia de que minha tia Dulce me esperava à noitinha na estação da capital.
E lá vinha o trem apitando nervoso, deixando um rastro de fumaça preta no céu que aparecia antes dele ser enxergado. E o apito anunciava a chegada que se fazia devagar, dando tempo aos feirantes se organizarem para vender o “de comer” enquanto o trem se demorava na organização dos que chegavam e dos que partiam. Mas sem muita pressa, dando tempo dos passageiros em trânsito almoçarem. “Olha a bóia”, gritavam os meninos de calção com dois pratos de alumínio em equilíbrio nas mãos. “Frango e carne” anunciavam a escolha do freguês, enquanto no prato havia uma maravilhosa mistura de feijão com legumes, arroz, macarrão e farinha. Uma colher, também de alumínio acompanhava o prato. A água servida em canecas do mesmo metal, meio amassadas, vinha fresca das “quartinhas” de barro. Tinham as jovens meninas que equilibravam na cabeça um tabuleiro de frutas ou de “bóia” e remexiam os quadris numa ginga que me retinha o olhar. Aquele “mafuá” só diminuía quando o trem voltava a apitar anunciando a partida e “café-com-pão-manteiga-não” na onomatopéia que descrevia a máquina bufando para voltar a correr nos trilhos. Vagarosamente ia apresando a marcha do “café com pão sem manteiga” falados mais depressa e embalava ainda gritando alto quando cruzava a Água Fria. Ia indo.
Eu já havia me abancado no último vagão de passageiros que tinha os bancos acolchoados. O “de primeira” era o último porque queimava menos a roupa dos passageiros com a brasa que a Maria Fumaça soltava. Á noitinha era visível o fogo da brasa incandescente. Nos vagões de segunda classe os bancos eram de madeira.
E ia indo. Timbiras, Coroatá, Itapecuru e outras paradas nas vilas que acompanhavam o correr lento do Rio Itapecuru. Quando entrávamos no Campo de Perizes, as plantações de arroz faziam o horizonte. Em Rosário, a farinha d’água era a especiaria vendida nos “surrões” feitos de palha do babaçu, palmeira mágica das matas do Maranhão. Já à noitinha, entrando na ilha, tínhamos que fechar as janelas de madeira, pois os meninos da periferia atacavam o trem de ferro a pedradas. O trem diminuía a macha para chegar a estação onde minha tia me esperava. E eu ansioso para no dia seguinte andar de bonde e ver a baia de São Marcos da Praça Gonçalves Dias. E o cinema era minha paixão. Mas esse filme acabou faz muito tempo...
Um comentário:
Caríssimo amigo e ludovicense por devoção, Edmar (gostou? Te prepara), nesta foto aí, com a "maria fumaça", que mal lhe pregunte, o piauiense(mais fácil) tinha quantas primaveras? Quáááá!!!!
A antiga e bonita "Atenas Brasileira", hoje orgulhosamente (?), Jamaica, não só tem o adjetivo pátrio esquisito de se pronunciar, como também não é nada fácil do pessoal da "Ilha do Amor"(?) dá conta de explicar"porque diacho! Vamos lá!
Ludovicense é o natural de São Luís. É o mesmo, portanto, que são-luisense. De Ludovico (do germânico "Hlodoviko": "hold", ilustre, afamado + "wig", batalha ou santuário, que originou em francês o antropó[ô]nimo Louis, Luís em português) + -ense deu ludovicense.
Papa-goiaba, comedor de bode, cabeça chata, coxa branca... É ali no ato, no "tiro"! E ainda dá tempo o cabra ficar puto!!!!
Um abração!
Leitura obrigatória, este Piauinauta aos Domingos. Não tem mais JB...
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