quinta-feira, 20 de março de 2008

DE VOLTA AO FUTURO

Edmar Oliveira

Uma amiga minha, que faz uso regular de serviço de táxi, me contou esta história, que muito a contrariou. A gente sabe, motoristas de táxi tem manias, modos de relacionamentos, e um bom passageiro deve saber concordar com o time de futebol, a religião ou comentários sexuais do taxista, quase sempre sem expressar sua opinião pessoal. Impor um padrão é a tática de todo passageiro que quer levar o assunto pra onde lhe interessa. Esta minha amiga também tem um padrão particular. Depois do bom dia, boa tarde, fornece o endereço, palpita o melhor caminho a seguir (embora não dirija e isto possa trazer conseqüências desastrosas), discute um pouco o trajeto, e a partir de um consenso mínimo passa a entabular assuntos políticos ou sobre notícias recentes para fazer um apanhado de como pensa a população que não lhe é próxima. Não é firme na sua opinião para evitar querelas, e vai concordando para organizar o que pensa o taxista do assunto que está sendo tratado. Acha que isto funciona mais ou menos como as pesquisas dos institutos, que é um método também discutível. Mas vá lá, cada táxi carrega as manias de cada um...


Neste caso, ela prossegue, depois do bom dia, forneceu o local e quando sugeriu o trajeto ao motorista, que nem respondeu de forma firme ao cumprimento, não conseguiu a velha discussão costumeira sobre o melhor percurso. O taxista digitou o endereço fornecido num aparelhinho, querendo saber exato o número do prédio, o que não era necessário por ser perto de um monumento conhecido. Ele respondeu mecanicamente que precisava do número para achar o caminho. Curiosa, minha amiga fornece um número qualquer. Depois da digitação o carro parte sem um diálogo costumeiro, motorista e passageiro de olho fixo no aparelhinho, que na primeira esquina fala “dobre à direita”. O motorista obedece e minha amiga começa a ficar intrigada com o aparelhinho que vai monopolizar o assunto dentro do táxi.


“Melhor subir o viaduto em frente”, disse a voz de moça de aeroporto pelo aparelhinho e o motorista vai em frente. “Descer na agulha lateral direita”, “Pegar pista de rolamento ao centro”, “Manter direção por três cruzamentos”. Essas e outras ordens eram dadas pela voz do aparelhinho e o motorista tinha um olho na rua e outro no tracejar amarelo que fornecia o trecho percorrido e indicava a direção a seguir. Minha amiga, já sentido que estava num filme de ficção científica, depois de beliscar o braço pra saber se estava acordada, tenta balbuciar um “mas o que é isso?”, quando o motorista, todo orgulhoso, diz que “estamos sendo monitorados por satélite” e “meu GPS é um guia infalível”. A moça teve um sentimento horrível, após o beliscão. “Estou acordada e num filme de ficção”. Se o carro alçasse vôo e o aparelhinho dissesse “Anéis de Saturno à direita” não ia ficar surpresa...


Pensava na esquisitice desta vida neste século, quando foi lançada de volta para o futuro. A corrida acabara num lugar que não conhecia. Argumentou que o endereço era naquela rua, mas perto do monumento tal, que deveria ser no outro extremo. O taxista revida dizendo que o GPS indica que ali era o número fornecido e ali ela tinha que descer, pois que sua missão fora cumprida. Lembrando que fornecera um número aleatório, minha amiga não quis argumentar com a máquina, nesta altura já sem saber qual das duas, tal o comportamento robotizado do taxista. Pagou a conta e saiu em busca de outro táxi, rezando para que fosse de um velho taxista conversador e que não tivesse um GPS para complicar a vida...

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crônica dedicada a Patrícia Albuquerque

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