domingo, 21 de agosto de 2016

CAETANO 74 ANOS


(Durvalino Couto)

Caetano Veloso fez 74 anos dia 7 de agosto. O artista apareceu para o país quando, incumbido pela família, acompanhou Maria Bethânia ao Rio, onde ela ia substituir Nara Leão no show Opinião, junto com Zé Kety e direção de Augusto Boal. Suas primeiras canções começaram a surgir, como É de Manhã, Avarandado e outras. Seu primeiro disco (junto com Gal Costa) ainda estava eivado de grande influência da bossa-nova.

A explosão se deu com Alegria, Alegria, canção que o consagrou no Festival da Record de 1967. Era diferente de tudo o que eu já ouvira. A canção falava de bancas de revistas, Coca-Cola, espaçonaves, Claudia Cardinale e guerrilhas. Era um painel do Brasil e do mundo que acontecia em torno. No festival, Caetano se fez acompanhar de uma banda de rock argentina, e foi um escândalo, principalmente por causa do uso de guitarras elétricas, uma heresia contra a sagrada música brasileira do pandeiro, cavaquinho e violão. Caetano, por sua vez, apresentava-se descabelado e com roupas de plástico. A plateia e os jurados se dividiram entre aplausos e vaias. Esta foi a primeira grande marca de Caetano Veloso: um cara polêmico, chegado a um escândalo.

Passei a admirar muito Caetano. Não perdia nada que ele lançava ou que saía sobre ele na imprensa. Nessa época, Teresina rompia os primeiros laços provincianos, os cabelos dos rapazes começaram a crescer e as saias das moças começaram a subir. Foi nessa época que surgiu uma piada deliciosa: uma garota de minissaia escrevia numa coxa Roberto e na outra Erasmo; perguntava para o namorado, "qual dos dois você escolhe?" O namorado pensava um pouco e por fim respondia: "prefiro o Caetano Veloso"...

Foi outro escândalo quando Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos pelos militares. Pânico nacional, aquilo era inédito. Não havia nenhum motivo evidente. Os dois não eram ligados a partidos de esquerda, muito menos a grupos terroristas que reagiam aos militares. Gil concluiu que eles foram presos simplesmente por causa do carisma de cada um. Em seu livro Verdade Tropical, Caetano narra uma longa conversa que teve com um militar intelectualizado sobre todos os assuntos; a conversa foi mesmo agradável, e o milico ficou impressionado com a desenvoltura cultural de Caetano. Logo depois eles foram mandados para Salvador e, de lá, para o exílio em Londres.

Não pretendo nesse artigo fazer um relato biográfico. Prefiro contar que desde então - e principalmente quando saí de Teresina e fui estudar Comunicação em Brasilia - passei a ter uma imensa vontade de conhecer o artista pessoalmente.

A oportunidade se deu quando, de volta do exílio e, tendo lançado seus dois fabulosos discos Joia e Qualquer Coisa (prefiro o Qualquer Coisa), Caetano foi fazer um show na cidade, mais precisamente na AABB. Junto com amigos, conseguimos marcar a entrevista para o hotel, no dia seguinte. Fomos eu e dois colegas de UnB, David Renault e Betão (incumbido de fotografar o encontro. Tenho até hoje essas fotos que lamento não reproduzir aqui). A então esposa Dedé e outras amigas conversavam sem parar na sacada da suíte; Caetano nos recebeu no chão acarpetado ao lado da cama onde reinava absoluto um estojo de luxo contendo um violão Di Giorgio. Caetano nos confidenciou que acabara de recebê-lo da fábrica que, a cada lançamento, o presenteava com um exemplar.

Conversamos sobre tudo. Caetano confessou o seu amor por Gil (para ele o melhor compositor e cantor brasileiro), Gal, Chico e muitos outros; falou de um disco que não conseguiu gravar porque antes disso foi preso; o disco ia se chamar Cabelo, e a capa era uma foto em close de seu rosto emoldurado pela imensa juba. Disse que havia gravado em Santo Amaro, num almoço de família, os sobrinhos cantando É Proibido Proibir - e imediatamente após ele entraria cantando É Proibido Fumar, de Roberto-Erasmo. Com a prisão, esse projeto foi abortado - e o que pode ter sobrado dele foi registrado depois no polêmico Araçá Azul, disco que até hoje tem o recorde de ser o disco mais devolvido nas lojas da história da MPB.

Lá pra tantas da entrevista, o fotógrafo Betão fez sua única pergunta: "Caetano, você considera a música popular brasileira antes e depois de você?" Caetano pensou um pouco e disse na lata: "De certa forma sim, porque fui eu, né?"

Uma coisa que acho interessante da carreira de Caetano é que ele tem muitos fãs - como eu, evidentemente - mas nunca foi uma unanimidade. Muita coisa dele eu não gosto ("Alexaaaaandre", por exemplo). Mas acho ele genial e, até hoje, continuo atento a cada lançamento, artigo, declaração e loucuras que ele faz. Sei que muita gente torce o nariz, mas eu mesmo sou fã incondicional.

Certa vez, numa véspera de Natal, toda minha família tinha saído para a missa do galo. Ficamos em casa só eu e meu pai (que diga-se, estudou medicina na Bahia, terra pela qual sempre foi apaixonado). Estávamos assistindo na TV ao programa do Roberto. Lá pra tantas entra Caetano espalhafatoso, calçado num tamanco dessa altura, mini-blusa de brilhos e lantejoulas, cantando a plenos pulmões Outras Palavras. Fiquei esperando a reação de meu pai. Quando Caetano acabou, entusiasmado, papai exclamou: "Este rapaz é o artista que canta melhor e dança melhor na televisão brasileira!"

Eu também acho. Até hoje. Feliz 74 anos, Caetano Veloso.

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