(Edmar Oliveira)
Nise rompeu com a ditadura Vargas na espetacular libertação
do inconsciente com seu trabalho com a loucura. Antes do golpe de 64, os loucos
foram silenciados nos hospícios, antecipando o tempo ruim, e assim permanecendo
nos longos anos de chumbo pelo sufocamento das liberdades. Quando a ditadura
ainda agonizava e o país tentava voltar à normalidade democrática ouviu-se o
brado “por uma sociedade sem manicômios”, que antecipava a Reforma
Psiquiátrica. E novamente a liberdade do inconsciente ajudou na reconstrução do
retorno da democracia. Entretanto, ela própria, a libertação do inconsciente
pela Reforma Psiquiátrica, necessita da atmosfera democrática para florir. A
ameaça atual à democracia trama, antecipadamente, o encarceramento da loucura
outra vez.
No mundo nunca se chega à perfeição. Mesmo com espinhos
entre as rosas ou a tiririca que teima em nascer no jardim, a construção da
Reforma Psiquiátrica acontecia. Alguns manicômios ainda teimam em existir.
Tentávamos aprofundar as práticas em saúde mental com a participação da
sociedade, familiares e pacientes. Tratar com liberdade necessita de
compromissos democráticos. Antevíamos um longo percurso para o jardim ficar
mais bonito ainda que o temporal se aproximasse com nuvens negras no céu. O
nosso otimismo não queria perceber que o ar democrático já estava rarefeito.
Não vou falar da Reforma Psiquiátrica, do duro golpe no
anúncio da nomeação de um coordenador francamente contrário a estas práticas, do
retrocesso no nosso campo que daí advém, embora apoie com intensidade juvenil
os movimentos que estão se organizando para a resistência. E, já velho, choro
pela perda, que será incomensurável.
Mas aqui quero olhar o contexto. Olhar a floresta, não o
nosso jardim. O nosso amado jardim será pisoteado e talvez destruído, antes de
renascer outra vez. Mas a floresta toda está ameaçada pelo o temporal com
fortes ventos que já começam a soprar. O ar da democracia está ficando
rarefeito. A floresta não respira, o nosso jardim murcha.
A direita arquiteta um golpe na democracia. Dilma entrega os
anéis, os dedos, o corpo e o golpe não para. O antigo governo já não possui nem
a alma. O golpe marcha célere. O ministro da saúde declara apoio à frágil
presidenta, enquanto destrói o nosso jardim. Pisoteia apoiando Dilma. Simples
assim. Adianta se queixar pra ela?
Temos que ir pra rua defender a democracia e tentar impedir
o golpe. Só assim o temporal passa. E a loucura pode voltar a florescer no
jardim e não tornar a ser encarcerada no manicômio. Para cultivar flores é
preciso lutar e cantar. Esperar não é saber. Temos que fazer a hora. Para alguns
velhos, de novo.
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