domingo, 27 de julho de 2014

LIVROS E ILUSTRAÇÕES




(Geraldo Borges)
 
Cresci lendo revistas em quadrinho, produto americano. E romance de cordel, produto nordestino. O primeiro em prosa, uma prosa mais dialogada do que narrada, o segundo em verso, a gente lia cantando. Durante esse período devo ter manuseado alguns livros ilustrados, adaptações de grandes obras clássicas. Não me lembro.

Pulei do cordel e das revistas em quadrinho (minha mãe queimou todas) para os romances volumosos, tijolos: Conde de Monte Cristo, Os três Mosquiteiros. Ficava imaginando como seria as feições de Edmond Dantès  com a sua cara de homem vingativo, e os semblantes dos mosquiteiros, coisa que vim conhecer muito depois no cinema.

Um dia, na minha jornada de leitor, encontrei alguns belos livros ilustrados, que me impressionara loucamente. O primeiro foi o Pequeno Príncipe  de Antoine De Saint-Exupéry, e que começa com o famoso desenho, aquarela do autor, de uma serpente digerindo um elefante, e que o leitor desavisado, apressado, jura que é um chapéu. E por aí vai. Depois aparecem os traços do Pequeno Príncipe, o carneiro. O livro é uma obra infantil  mas conquistou os adultos, e ninguém poderá imaginá-la sem ilustrações. Até mesmo porque os desenhos do livro estão visceralmente conjugados as narrativas.

Depois do Pequeno Príncipe eis que chegou  as minhas mãos Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll. Maravilho. Um clássico dos clássicos. Uma obra para crianças que os poetas adoram. Um sonho Lewis Carroll, além de grande escritor era fotografo. Engraçado, o livro começa  quando Alice está ao lado da irmã que lê um livro sem figura. Aquilo a entedia. Quando de repente passa um coelho consultando as horas. E Alice corre atrás dele. Daí para  frente começa  o enredo. Tudo é surpresa agora. Vale a pena transcrever o inicio do livro:

“Alice começou a enfadar-se de estar sentada no barranco junto à irmã e não ter nada que fazer: uma ou duas vezes  espiara furtivamente o livro que ela estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, ‘e de que serve um livro’ pensou Alice , ‘ sem figuras nem diálogos.’

Não demorou muito tempo  li  O Engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, com belíssimas ilustrações de Doré. Todo leitor de Cervantes conhece a estalagem que virou Castelo, e Dulcinéia que virou princesa, e os moinhos de vento que viraram monstros, na imaginação delirante do Cavaleiro de triste figura, leitor faminto dos romances de cavalaria. O romance agrada a gregos e baianos.

Depois de Dom Quixote outro grande livro ilustrado que tive a aventura de ler chama-se a Divina Comédia de Dante Alighieri. Desenhos de Doré. Inferno. Purgatório. Paraíso. Uma viagem trágica nel mezzo Del cammin di nostra vita. Repleto de figuras retorcidas e sem esperança. Nenhum leitor por mais sensível que seja imaginaria tanta dor e desespero naqueles personagens.

Também ilustrado por Doré li Gargantua de Rabelais, onde o leitor pode ver figuras gigantescas, descomunais, atolada nos banquetes da gula e no sabor do vinho. O livro é uma saga  satirizando a vida dos frades da França Feudal.

Afora a leitura de livros estrangeiros, deparei-me com um conto de Leminski- A Guerra dentro da Gente. O conto é de uma elegância exemplar, os desenhos de uma expressividade tão nítida que o leitor sente que os personagens estão se materializando, dando um pulo, fora da página. Considero-o uma obra prima da literatura  brasileira.

Mas, para ser sincero, prefiro a leitura de livros sem ilustrações. Na verdade, as letras já são uma espécie de ilustração do pensamento. Tudo bem, uma capa, bem desenhada, sugestiva, junto com o titulo, dá certa personalidade ao livro.

 Acredito que no mundo do espetáculo em que vivemos hoje a ilustração corre o risco de virar uma redundância. Eu particularmente prefiro imaginar o cenário que o autor descreve juntamente com seus personagens, sem precisar da colaboração dos ilustradores. Mas o mercado é quem decide e dá a palavra final.

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