Piauinauta observa o anoitecer boreal de Teresina e volta à
nave mãe para uma viagem a outras terras. O blog entra de férias por um mês,
agradecendo a mais de 125,000 acessos neste tempo de viagem estelar. A viagem
do Piauinauta completa cinco anos em dezembro. Aguardem que voltaremos. Mas o astronauta precisa de férias.
domingo, 2 de setembro de 2012
Teresina Velha
Edmar Oliveira
Teresina fez 160 anos no dia 16 passado. É uma cidade muito
nova e já acumula os defeitos de outras que passaram muito mais tempo para
abandonar o centro histórico e, algumas, já estão recuperando o passado
a duras penas e com arrependimento. Teresina, como uma mulher vaidosa, parece querer ser ainda mais jovem do que aparenta. Uma cidade nova se ergue e destrói coisas belas do passado, parodiando o poeta.
Quando vou até lá me hospedo pelo centro da cidade, que
sempre foi o meu referencial por habita-la. Vinha sentindo um esvaziamento da
cidade com o consequente investimento em uma nova e moderna metrópole depois do
rio Poti. Fizeram até uma ponte, aliás, linda, para que esquecêssemos a outra,
também bonita, mas abandonada.
Pois bem, desta última vez a cidade que eu vivi não existia
mais. É como se fosse uma cidade fantasma. Impressiona quantas casas foram
derrubadas para hospedagem de carros. Estacionamentos gigantescos ocupam o lugar
de casarões que só existem agora na minha memória. As praças, outrora oásis de
lagos e fontes com jardins e árvores que amenizavam o calor, têm hoje a
aparência de logradouros mortos e esquecidos. Encontrei, de viva alma, um grupo
de meninos inquietos que tenta ressuscitar o cinema da Praça Pedro II. Os
cinemas de rua, e eram três resistentes na minha infância, também atravessaram
o Poti e foram para dentro dos shoppings centers, apetrechos que não combinam
com a cidade que eu conheci.
O Mercado Velho vem caindo, anos após anos, num desinteresse
das novas gerações, que ficam iguais as que aparecem nas tvs, esquecidas dos
sabores, frutos e cheiros da terra.
Uma cidade não pode esquecer o lugar onde nasceu, sob pena
de perder a sua identidade. A Praça Marechal Deodoro, com o marco fundador do
Conselheiro Saraiva, tem o mercado, a Igreja do Amparo e os prédios públicos
onde a cidade se estabeleceu na beira do cais do Parnaíba.
Não estou querendo que a outra cidade não exista. Ela é
necessária e condizente com o progresso e crescimento vertiginoso de Teresina.
Mas o seu centro histórico está merecendo um melhor cuidado. A bela cidade que
se anuncia depois da ponde estaiada não pode esquecer o seu passado. O coração
de uma cidade é sua igreja fundadora e seu mercado. Outras cidades se
arrependeram desse esquecimento e muita delas está refazendo esse erro. Porque
não aprender e já agora começar a recuperação dos marcos históricos?
________________________________________No desenho, o MercadoVelho está a esquerda e a Igreja do Amparo, ainda sem as torres, à direita. Na foto antiga a velha praça Pedro II (o coreto, o moderno Cine Rex, e a esquina de influência árabe) que já não existe.
Sudoeste

Lázaro José de Paula
VENTANIA SOPRANDO FORTE NO ALPENDRE
VENTANIA SOPRANDO FORTE NO ALPENDRE
ASSIM VOA MEU CORAÇÃO
COMO UMA NUVEM DE VAGALUMES
NA NOITE LONGA CALMA E VAZIA
NA NOITE LONGA CALMA E TÃO FRIA
NINGUEM ESQUENTARA A TUA SOPA
NINGUEM ACENDARÁ O TEU PAVIO
SE AS SOBRAS DO TEU PÃO DORMIDO
NÃO SERVEM NEM PRO VINHO
NINGUEM TE CHEGARÁ COMO EU JA TE CHEGUEI
NINGUEM TE CHECARÁ COMO EU JA TE CHEQUEI
COMO GRANDE ALUVIÃO DESSAS ENCHENTES
NINGUEM TE AMARÁ COMO EU JÁ TE AMEI
NINGUEM TE FALARÁ DE AMOR COMO EU JÁ TE FALEI
TÃO CALM O DE PAIXÃO E ENTRE DENTES
E ENTRE DENTES, DANTES, DENTES, DANTES
DESDE O DIA EM QUE UMA ROSA DO ORIENTE
ENTERROU OS SEUS ESPINHOS NAS BARRANCAS DE UM RIO
OS RATOS ABANDONARAM OS SEUS NAVIOS
POR ISSO MESMO
MESMO QUE EU BEBA DESSE FEL
UM COPO VAZIO EM MEIO AO LUAR
DA BRUMA HÁ DE SURGIR
DA BRUMA SURGIRÁ
COMO O MAIS BELO DOS SELVAGENS DOS C AV ALOS
QUE CORREM SOLTOS EM LIBERDADE PELOS CAMPOS
QUE CORREM SOLTOS EM LIBERDADE PELOS PRADOS
PELOS PRADOS, PELOS PRADOS
poemínimo
COMO CANTA A SAUDADE
Como um lamento tão frio
Que pinica o coração
Feito espora no vazio
(Climério Ferreira)
Do amor
QUE SE ABRISSE ESSA PRISÃO
E QUE DEBAIXO DOS MEUS BRAÇOS
ME SUSTENTASSE UMA FORÇA.
QUE ALGO AFIADO
ME SARJASSE O TUMOR
E ESSA SOMBRA DESMANCHASSE
SOB O SOL IMORREDOURO
E QUE DEBAIXO DOS MEUS BRAÇOS
ME SUSTENTASSE UMA FORÇA.
QUE ALGO AFIADO
ME SARJASSE O TUMOR
E ESSA SOMBRA DESMANCHASSE
SOB O SOL IMORREDOURO
DA VONTADE.
________________________
desenho: Paulo Moura
________________________
desenho: Paulo Moura
1 versinho para o universo
O BANQUETE DOS ASTROS
A enorme boca da noite
Crava seus dentes de nuvens
Nas últimas horas do dia
No lusco-fusco da tarde
É assim que os sonhos são devorados
No suave balanço das redes
Sob as vistas das estrelas
Que espiam da janela
Enquanto os corpos se despem da labuta
E pulsam de cansaço
Os astros são tragados pela boca do céu
A lua singra pelos tempos
Aplacando a turbulência com luz branda
Até que escureçam as cores do dia
(Climério Ferreira)
O infinito

Paulo José Cunha
Tomei por arte
a pretensão do infinito
e uma ousada aspiração de eternidade.
Mas vejo Hemingway,
os dois canos da espingarda na boca;
Einstein mostrando a língua;
Villa-Lobos passando giz no taco de bilhar;
Picasso segurando aquela sombrinha;
a mão ingênua de Pasolini apoiando o queixo;
Rimbaud traficando armas na África;
Fellini de pés descalços numa praia de Rímini.
E eu aqui: caneta, papel
e dois tostões de poesia.
O infinito é maior.
ATO
ATO
seja sempre assim, bailarina,
menina dos olhos da lua,
toda vestida de gente
toda vestida de nua.
menina dos olhos da lua,
toda vestida de gente
toda vestida de nua.
seja sempre assim,
belarina,
serpente dos olhos de vidro,
clara e nua
toda vestida de fogo
toda vestida de lua.
Salgado Maranhão
belarina,
serpente dos olhos de vidro,
clara e nua
toda vestida de fogo
toda vestida de lua.
Salgado Maranhão
Do livro: Punhos da Serpente, Achiamé, 1989, RJ. Desenho Netto de Deus
___________________
charge: Netto de Deus
ANATOMIA DE UM INSTANTE
Luiz Horácio
.
“Todos os romances são autobiográficos, diz Javier
Cercas. É uma espécie de striptease em sentido inverso: a partir de sua própria
experiência, é revelado o que existe de
mais autêntico, de melhor. A técnica literária coloca vestidos, chapéus
e torna
irreconhecível. Isto é, escrever um romance. "
Javier
Cercas é o autor de Anatomia de um instante, considerado
o melhor livro editado no ano de 2009 em
castelhano pelo suplemento literário Babelia, do
jornal espanhol El Pais.
O tema é o golpe anti-democrático comandado pelo tenente-coronel Antonio
Tejero em 23 de fevereiro de 1981.
Tejero invadiu a câmara dos deputados de
pistola em punho gritando "Todo mundo quieto". A seguir alguém gritou
"Silêncio" logo "Todo mundo quieto", a seqüência: "No
chão", "No chão todo mundo."
Quase todos os presentes obedeceram imediatamente, prontamente
convencidos por aquele que empunhava a pistola e que também a disparou. Para o
ar, mas disparou. O quase todos se deve ao presidente Adolfo Suárez, ao ministro da defesa General
Mellado, e Santiago Carrillo, secretário geral do PCE.
Os três permaneceram sentados, recusando
o mergulho "ao chão."
Você,democrático leitor, já deve ter
concluído: esse livro é mais um libelo anti-golpe, daqueles que satanizam os
golpistas e santificam os depostos. Errado.
Javier Cercas, mostra que anjos e demônios habitavam os dois
universos, predominando os demônios. Como exemplo dessa isenção repare bem como
o autor trata Adolfo Suárez e Santiago
Carrillo. Nada de novo, visto que o
cenário é o hábitat de políticos, de militares, de militares tentando ser
políticos. E quando essas correntes buscam o mesmo objetivo, a população paga a
conta.Todas as contas possíveis e imagináveis.
Anatomia de um instante é, em primeiro lugar, um manual de sobrevivência no território do
"animal político".
Conclusão deste aprendiz: "Não
temer tais palhaços, tampouco rir de suas estultices. São animais venenosos, no
entanto, devemos desprezá-los"
Javier Cercas escreveu um romance, um
ensaio, um livro de História onde exuma um tempo triste, impossível de evitar
enquanto não for extinto o animal político e, consequentemente, seus atos
desgraçados.
Atenção redobrada, indefeso leitor, mãe
de ditador está sempre grávida.
Em tempos onde políticos infestam
nosso país com seu marketing de quinta, a leitura de Anatomia de um instante alcança status de imprescindível.
Conclusão deste aprendiz: “o animal político” jamais será domesticado.
Traiçoeiro, não tardará a mostrar suas garras.
Cercas não deixa dúvidas a respeito do
caráter instável dos políticos. Ao mostrar o presidente Adolfo Suárez como um tipo ambicioso, sedutor, ao
mesmo tempo capaz de eliminar qualquer um que se atreva atravessar seu caminho,
aponta a periculosidade do “animal político.”
Suárez conveceu todas correntes que ele
era pessoa ideal para cuidar dos interesses do povo. Enquanto isso, cuidava
exclusivamente dos seus. Aos franquistas deixou a impressão de alguém capaz de
manter tal chama acesa, ao Rei deu a entender que se tratava de um monarquista
ferrenho e vendeu o mesmo peixe
disfarçado ao seu partido, também abrigo de franquistas, além de amansar o
exército. Assim que Suárez chega ao
poder defenestra os franquistas, faz seu vice um militar, Gutiérez Mellado, e
“fazendo jus ao caráter pra lá de volúvel, legalizou o Partido Comunista.
.Javier Cercas exuma o cadáver do golpe, vai aos detalhes,
aprofunda a investigação, mostra que ações de direita e esquerda se relacionam
e se complementam. Nada escapa ao seu rigoroso olhar. Busca os autores
intelectuais do golpe, mostra a reação dos deputados quando da entrada
intempestiva de Tejero, desvenda o que se passou pela cabeça de Suárez, de Mellado e Carillo durante a
performance do tenente-coronel. Curioso e triste o relato deste indispensável autor.
Cercas não se limita a narrar o episódio, também se
posiciona. E de forma corajosa diz que o fracasso do golpe de estado apagou a
tensão reinante no país. O frustrado golpe serviu para fazer a assepsia,
eliminou a insegurança que já durava décadas
O
livro traz uma imensa quantidade de informações que podem ser retomadas
individualmente em narrativas futuras, o pontapé inicial pode ser, sempre, o
golpe de estado espanhol. Talvez a maior virtude, entre tantas, dessa obra seja
exatamente a incansável análise desse
momento político. Um momento televisivo. Televisivo, isso mesmo, a televisão
espanhola registrou o acontecimento. Banalizou? Tornou espetáculo?
Manipulou? Permita a redundância, arguto
leitor: um espetáculo trágico....patético....estúpido. Volte, paciente leitor,
a frase de Cercas que dá início a este
texto. Ensaio, romance, ensaio histórico, seja o que for. Aconteceu.Acontece.
Acontecerá.....
Para encerrar,uma observação: Javier Cercas
escreveu uma obra de grande valor, mas não podemos esquecer que tudo que se lê
em Anatomia de um instante é por demais sabido, não só por espanhóis, mas por todos
que conheçam um pouco da história da Espanha. Arrisco dizer que o autor fez uma
cuidadosa compilação e sob seu inquetionável talento, deu no que deu. O que não
implica demérito algum. Mas uma ressalva sempre cai bem.
Réquiem
Nestes verões jaz o homem
sobre a terra. E a dura terra
sob os pés lhe pesa. E na pele
curtida in vivo arde-lhe o sol
destes outubros. Arde ar
deste campo maior desta lonjura
onde entanguidos bois pastam a poeira.
E se tem alma não lhe arde o desespero
de ser dono de nada. Tão seco é o homem
nestes verões. E tão curtida é a vida,
tão revertida ao pó nesta paisagem
neste campo de cinza onde se plantam
em meio às obras-de-arte do DNOCS
o homem e outros bichos esquecidos.
( H. Dobal - Poesia Reunida - 2005)
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