domingo, 8 de maio de 2016

Os cães da Hilário de Gouveia

  
(Léo Almeida)
Qual o signo dele? A pergunta me pegou de surpresa. O inusitado na tardezinha urbana de Copacabana. Ele se referia ao cachorro. Eu não conseguia acreditar que a pergunta era endereçada ao Chiquinho. Disse-lhe, contendo o sorriso, que o meu cachorro tinha nascido em janeiro, dia dois. Ele emendou: os capricornianos são muito amistosos e continuou brincando com o meu yorkshire, que não tem noção de sua pequenez. A doçura, o encanto, a atração sincera que ele demonstrou com o cãozinho arisco, que eu trazia na guia curta, só reforçou a imagem que tenho captado nas ruas deste bairro: além dos turistas e dos velhos, os cachorros são as figuras constantes destas ruas. O morador de Copacabana é um apaixonado por cães. De todas as raças, tamanhos, cores. Uns silenciosos, outros escandalosos. Uns agressivos, outros dóceis e medrosos. Andar pelas ruas de Copacabana é esbarrar com esses animais. É difícil distinguir quem guia quem, pois eles parecem levar seus donos para passear e manter contato com o mundo. Sim, são os cães que retiram seus donos de suas solidões e recolhimentos, dos apartamentos pequenos e os levam para ver outros donos e seus cães pelas ruas. Circulando pelo quarteirão ou caminhando na praça do Bairro Peixoto, os cães se atraem, se cheiram e, nesse contato, obrigam seus donos, que nunca se viram antes, a se aproximarem e conversarem. Do cumprimento de bom dia ou tarde, passa-se às perguntas sobre os animais, idade, sexo, nome e acaba-se ingressando em assuntos menos caninos e mais humanos, trivialidades, política, futebol, mulher, carestia, arrastão, medo, festa... os habitantes dos conjugados e kits mantêm contato com os moradores dos grandes apartamentos e casas de vilas. Tudo se dá por causa desses bichos que nos obrigam a dar voltas para que façam suas necessidades. É curioso notar que acabamos por saciar as nossas necessidades de contato humano, de ouvir o outro, de ver e sentir o estranho tão familiar, que partilha a vidazinha de Copacabana ao seu lado e que, de outra forma, passaria incólume ao seu afeto. Será que os cães planejaram essa estratégia para nos manter vivos, menos solitários e mais esperançosos com as coisas da vida? Tenho um amigo que confidenciou-me outro dia a sua teoria cruel. Segundo ele, quando o sujeito se dedica a passear com seu cão é por que desistiu da humanidade. A prática desse passeio com o Chiquinho tem me demonstrado justamente o contrário. É com meu amigo de quatro patas que tenho conhecido a vida cotidiana deste bairro. A história da vida privada em Copacabana não será completa se não houver um olhar atento à função social dos cães. A conversa que começou pelo signo de Capricórnio do meu yorkshire descambou para um contato amistoso, que rendeu-me a descoberta de um indivíduo inteligente e atento às coisas do mundo. Psicólogo, astrólogo, amante dos cães. De que outra maneira eu poderia conhecer alguém assim? Depois que nos despedimos e trocamos endereços de redes sociais para continuarmos nossa conversa, olhei para o Chiquinho e tenho certeza de que, em seu olhar de profunda negritude, brilhava uma luzinha de ardente felicidade e dever cumprido. Continuamos nosso passeio, ele de rabo abanando e eu assobiando uma velha canção dos Beatles.




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