domingo, 8 de maio de 2016

Estória de uma árvore



(Geraldo Borges)


            Eu sou uma arvore que aprendeu a ler e escrever, depois que vim morar na cidade. Estou na flor da juventude, e, vivo na floresta, por enquanto. De manha quando o sol amanhece, tudo é encanto  e canto de pássaros  nos galhos das árvores, o  fervilhar de insetos no solo. Eu sou um ipê amarelo, também conhecido como pau d’ arco Por isso mesmo não posso me esconder dos olhos cobiçosos dos homens insensíveis que só pensam em dinheiro. E não vêem a minha beleza natural.

            Quando escuto o som sinistro das serras elétricas dos madeireiros, mudar de cor. Já presenciei a morte de muitas das minhas vizinhas ao lado, sei que as árvores morrem de pé. Mas, só quem já viu o tombo de uma árvore sabe o tanto que isso  nos entristece.  Por um triz escapei até agora.

            Estou pensando em me mudar para a cidade. Não sei se me mudo para  uma capital ou para um singela cidade do interior, e fico fazendo sombra e colorido no meio de uma praça.

 Os homens inventaram até o dia da árvore, o nosso dia, no mês  de setembro para a gente comemorar. Dizem:  quem planta uma árvore enriquece. Mas,  quem está enriquecendo, são os madeireiros devastando o nosso território florestal. Não sabem eles que todas as florestas são encantadas, e se forem destruídas, adeus o seu encanto, onde vamos encontrar os duendes, os gnomos, e outros bichos mitológicos.

Vou fugir daqui o quanto antes, senão eles vão fazer carvão de minha seiva, caixão de defunto, canoa, barco, cadeira, mesa, armário, ou, até mesmo, santo de pau oco, o que não me consola, nem me alivia. Quero é viver e dar sombra aos peregrinos, e ouvir em minha fronte o canto dos passarinhos, e o zumbido as abelhas a procura do néctar das minhas flores.

Estou ouvindo o matraquear de uma serra elétrica. Se eu não for sacrificada desta vez. Amanha mesmo me mandarei para a cidade. Escapei mais uma vez. Não posso esperar outro dia.

Eu já estou em Teresina, cidade a beira do rio Poti e Parnaíba chamada cidade verde, e também Chapada do Corisco. Dizem que já foi mais verde ainda: um imenso pomar com  quintais cheios de plantações.Eu gostaria de ter nascido  aqui nesse tempo.

Viajei a noite  e amanheci na Praça da Bandeira. Avistei o rio que nesse inverno está bem cheio. Reconheci por perto alguns pés de juás e pés de angico. Notei que  as pessoas começaram a olhar para mim com estranheza, se perguntando: eu nunca tinha visto essa arvore aqui. Como ela apareceu aqui eu não sei. Eu respondi: são os mistérios da natureza. Claro que o transeunte não entende a minha linguagem vegetal. Bom. Eu começava a chamar a atenção da cidade. Não demorou muito a prefeitura veio podar  minha fronte a corte de tesoura e me registrar, botou uma espécie de chapa de cobre com números no meu tronco. Apropriou-se de mim, fez-me um patrimônio historio e cultural. Pelo menos eu estava garantida, burocraticamente garantida.

 Notei logo a mudança de clima. Fazia calor. Mas esse clima era o menos. O clima pior era a ausência de silencio. Onde eu estava no meio da praça ficava no caminho do Mercado Velho. E por ali passava muita gente;  a algaravia  era enorme.

Para falar a verdade me passou pela cabeça a vontade de voltar para a floresta. Mas foi apenas um instante de fraqueza. Reafirmei o meu propósito, e disse: é aqui mesmo que tenho de ficar. Tive que aturar os bandos buliçosos de pombos que arrulhavam em meus galhos e borrava  tudo com a sua sujeira. Mas é assim mesmo. Nada é perfeito. Pelo menos aqui eu estou garantida pelo povo que se diz amante da cidade. Certo que não sou uma árvore nativa no sentido que não tenho uma estória ligada à cidade. Embora, pelo que ouço falar, existem  muitos ipês espalhados pelos bairros.  Hoje choveu forte. Uma tormenta. Muito trovão e relâmpago Fiquei atemorizada. Vai que um raio me parte pelo meio.

As pessoas estão me olhando com simpatia. Gozando da minha sombra; até um casal de namorados já tirou uma foto minha no meio de uma revoada de pombos. Na realidade, estou sendo curtida. A cidade já me considera uma fonte de referência. Pessoas dizem: vamos nos encontrar debaixo do pé de ipê. Sim, vamos. Confirmam. Fiz muito bem em ter me mudado. Já estou me acostumando. Uma turma de turistas me fotografaram de vários ângulos Estou dando um ar pitoresco a cidade. Noto que muita gente vem me contemplar. Na floresta eu era apenas mais uma árvore no meio de milhares. Nem sei esmo como escapei Foi milagre.   
               
Com certeza, se tivesse ficado lá dentro do mato, já estaria sido derrubada, levada para as serrarias, virado tábuas. E não estaria aqui contando a minha estória. Que continua assim; sonhei. Pois é, arvore também sonha. Até pedra sonha. Todo sonha e soa. A vida é um sonho. Sonho que volto às vezes à terra onde nasci. Lembro – me de meu tempo de semente. O pequeno broto rompendo da terra úmida, procurando  o sol, crescendo, verticalizando-se  até atingir a idade adulta.Vendo o meu vulto virar sombra no chão, os passarinhos  cantando na minha copa, os besouros, os beija flores, as abelhas, ate que começaram chegar os madeireiros. Aí apareceu  o pesadelo, e eu acordei.

Esse foi o meu primeiro sonho depois que cheguei á Teresina. Depois sonhei que um rancho  de crianças estavam fazendo um convescote  debaixo de minha fronde. Fiquei muito contente com isso. Comecei a sonhar quase toda a noite. Sonhei que alguns meninos de rua tinham construído uma casa em cima da minha copa. Mas que só durou o tempo do sonho. A prefeitura mandou destruí-la. 

            Sonhei que um grande temporal   caía sobre a cidade e um raio  me abatia. Não gostei do sonho. O tempo está bonito para chover, como eles dizem aqui. Choveu. E para a minha infelicidade o sonho se concretizou. Escapei da fúria dos homens. Mas não pude escapar da fúria dos céus.






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