(Geraldo Borges)
Eu sou uma arvore que aprendeu a ler
e escrever, depois que vim morar na cidade. Estou na flor da juventude, e, vivo
na floresta, por enquanto. De manha quando o sol amanhece, tudo é encanto e canto de pássaros nos galhos das árvores, o fervilhar de insetos no solo. Eu sou um ipê
amarelo, também conhecido como pau d’ arco Por isso mesmo não posso me esconder
dos olhos cobiçosos dos homens insensíveis que só pensam em dinheiro. E não
vêem a minha beleza natural.
Quando escuto o som sinistro das
serras elétricas dos madeireiros, mudar de cor. Já presenciei a morte de muitas
das minhas vizinhas ao lado, sei que as árvores morrem de pé. Mas, só quem já
viu o tombo de uma árvore sabe o tanto que isso nos entristece. Por um triz escapei até agora.
Estou pensando em me mudar para a
cidade. Não sei se me mudo para uma
capital ou para um singela cidade do interior, e fico fazendo sombra e colorido
no meio de uma praça.
Os homens inventaram
até o dia da árvore, o nosso dia, no mês
de setembro para a gente comemorar. Dizem: quem planta uma árvore enriquece. Mas, quem está enriquecendo, são os madeireiros
devastando o nosso território florestal. Não sabem eles que todas as florestas
são encantadas, e se forem destruídas, adeus o seu encanto, onde vamos
encontrar os duendes, os gnomos, e outros bichos mitológicos.
Vou fugir daqui o quanto antes, senão eles vão fazer carvão
de minha seiva, caixão de defunto, canoa, barco, cadeira, mesa, armário, ou,
até mesmo, santo de pau oco, o que não me consola, nem me alivia. Quero é viver
e dar sombra aos peregrinos, e ouvir em minha fronte o canto dos passarinhos, e
o zumbido as abelhas a procura do néctar das minhas flores.
Estou ouvindo o matraquear de uma serra elétrica. Se eu não
for sacrificada desta vez. Amanha mesmo me mandarei para a cidade. Escapei mais
uma vez. Não posso esperar outro dia.
Eu já estou em Teresina, cidade a beira do rio Poti e
Parnaíba chamada cidade verde, e também Chapada do Corisco. Dizem que já foi
mais verde ainda: um imenso pomar com
quintais cheios de plantações.Eu gostaria de ter nascido aqui nesse tempo.
Viajei a noite e
amanheci na Praça da Bandeira. Avistei o rio que nesse inverno está bem cheio.
Reconheci por perto alguns pés de juás e pés de angico. Notei que as pessoas começaram a olhar para mim com
estranheza, se perguntando: eu nunca tinha visto essa arvore aqui. Como ela
apareceu aqui eu não sei. Eu respondi: são os mistérios da natureza. Claro que
o transeunte não entende a minha linguagem vegetal. Bom. Eu começava a chamar a
atenção da cidade. Não demorou muito a prefeitura veio podar minha fronte a corte de tesoura e me
registrar, botou uma espécie de chapa de cobre com números no meu tronco.
Apropriou-se de mim, fez-me um patrimônio historio e cultural. Pelo menos eu
estava garantida, burocraticamente garantida.
Notei logo a mudança
de clima. Fazia calor. Mas esse clima era o menos. O clima pior era a ausência
de silencio. Onde eu estava no meio da praça ficava no caminho do Mercado
Velho. E por ali passava muita gente; a
algaravia era enorme.
Para falar a verdade me passou pela cabeça a vontade de
voltar para a floresta. Mas foi apenas um instante de fraqueza. Reafirmei o meu
propósito, e disse: é aqui mesmo que tenho de ficar. Tive que aturar os bandos
buliçosos de pombos que arrulhavam em meus galhos e borrava tudo com a sua sujeira. Mas é assim mesmo.
Nada é perfeito. Pelo menos aqui eu estou garantida pelo povo que se diz amante
da cidade. Certo que não sou uma árvore nativa no sentido que não tenho uma estória
ligada à cidade. Embora, pelo que ouço falar, existem muitos ipês espalhados pelos bairros. Hoje choveu forte. Uma tormenta. Muito trovão
e relâmpago Fiquei atemorizada. Vai que um raio me parte pelo meio.
As pessoas estão me olhando com simpatia. Gozando da minha
sombra; até um casal de namorados já tirou uma foto minha no meio de uma
revoada de pombos. Na realidade, estou sendo curtida. A cidade já me considera
uma fonte de referência. Pessoas dizem: vamos nos encontrar debaixo do pé de
ipê. Sim, vamos. Confirmam. Fiz muito bem em ter me mudado. Já estou me
acostumando. Uma turma de turistas me fotografaram de vários ângulos Estou
dando um ar pitoresco a cidade. Noto que muita gente vem me contemplar. Na
floresta eu era apenas mais uma árvore no meio de milhares. Nem sei esmo como
escapei Foi milagre.
Com certeza, se tivesse ficado lá dentro do mato, já estaria
sido derrubada, levada para as serrarias, virado tábuas. E não estaria aqui
contando a minha estória. Que continua assim; sonhei. Pois é, arvore também
sonha. Até pedra sonha. Todo sonha e soa. A vida é um sonho. Sonho que volto às
vezes à terra onde nasci. Lembro – me de meu tempo de semente. O pequeno broto
rompendo da terra úmida, procurando o
sol, crescendo, verticalizando-se até
atingir a idade adulta.Vendo o meu vulto virar sombra no chão, os
passarinhos cantando na minha copa, os
besouros, os beija flores, as abelhas, ate que começaram chegar os madeireiros.
Aí apareceu o pesadelo, e eu acordei.
Esse foi o meu primeiro sonho depois que cheguei á Teresina.
Depois sonhei que um rancho de crianças
estavam fazendo um convescote debaixo de
minha fronde. Fiquei muito contente com isso. Comecei a sonhar quase toda a
noite. Sonhei que alguns meninos de rua tinham construído uma casa em cima da
minha copa. Mas que só durou o tempo do sonho. A prefeitura mandou destruí-la.
Sonhei que um grande temporal caía sobre a cidade e um raio me abatia. Não gostei do sonho. O tempo está
bonito para chover, como eles dizem aqui. Choveu. E para a minha infelicidade o
sonho se concretizou. Escapei da fúria dos homens. Mas não pude escapar da
fúria dos céus.
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